Djamila Ribeiro

Mestre em filosofia política pela Unifesp e coordenadora da coleção de livros Feminismos Plurais.

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Morte de Antonieli mostra Brasil masculino que despreza vida das mulheres

Crime em Rondônia revela país de homens que sufocam vítimas sem hesitar, em episódios que são logo esquecidos

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Antonieli Nunes Martins, 32, foi morta estrangulada enquanto dormia de "conchinha" com um homem, colega de trabalho, de quem estava grávida. Era 2 de fevereiro. Segundo autoridades de Pimenta Bueno, Rondônia, no dia anterior ele havia sido avisado da gravidez. Casado, não queria assumir a criança, porém pediu para que ela esperasse um pouco para que acertasse a vida.

Na casa que compartilhavam, após conversarem e ficaram deitados de "conchinha" na cama, ele a imobilizou com as pernas e passou o braço pelo pescoço dela e só parou de apertar quando sentiu o braço dormente.

Mas Antonieli ainda estava viva. Foi quando ele teria percebido, ido até a cozinha e se armado uma faca grande, desferindo um golpe fatal no pescoço dela.

Ilustração representando uma lápide estampando o símbolo do espelho de Vênus, que representa o gênero feminino
Ilustração publicada em 10 de fevereiro - Linoca Souza

Então, saiu da casa e jogou faca, celular, teste de gravidez no rio da cidade. De lá, foi à igreja onde o pai é pastor para rezar.

No dia seguinte, colegas preocupados que Antonieli não respondia a mensagens e não foi ao trabalho foram à casa e a encontraram morta na cama.

Agora, ele está preso e a população local em luto. Antonieli tinha um filho que, segundo familiares, fez três anos no dia do funeral da mãe. Quão desolador pode ser isso para a criança?

Quero aqui expressar minha mais profunda solidariedade à família de Antonieli e me pôr à disposição para ajudar da forma que for possível. Que recebam o conforto necessário da fé que professam e que o amor, a saudade e seu filho sejam um caminho para continuar.

Quando soube, chorei em um misto de sentimentos. Senti por Antonieli, morta achando que estava em um espaço de confiança; senti pois mulheres têm sido mortas por homens em uma proporção catastrófica no Brasil.

Senti por que esse extermínio existe ao mesmo tempo que, na atual administração federal, não há orçamento decente nem vontade política para a criação de políticas públicas para o enfrentamento da violência contra a mulher.

A sociedade é dominada por pessoas do grupo social daqueles que estão matando. Jornais são dominados por homens, assim como igrejas, partidos políticos, movimentos sociais, e eles simplesmente não se importam.

Uma mulher morta, centenas de milhares de mulheres mortas, milhões de mulheres mortas são vistas como algo lateral, um tema que não é de relevância no Brasil. Escrevo com cólera, mas essa é a verdade que precisamos assumir.

Fico a pensar que o crime que matou Antonieli é uma metáfora triste de um Brasil que despreza a vidas das mulheres. E, assim, então, mais uma existência feminina se perde e com ela os sonhos que estavam em seu ventre, sonhos esses que ela havia decidido parir ao mundo, mas que não veem a luz do dia. O homem traidor busca limpar as evidências de seu compromisso com as mulheres e vai à igreja de seu pai rezar.

Nesse conto de Brasil, as mulheres, por sua vez, são sufocadas por uma ideia e valores impostos pela necessidade de um homem, um sujeito idealizado que, em momentos de decisão, será corajoso e as salvarão, como vemos em desenhos, filmes e novelas. Mesmo que a realidade se mostre aos nossos olhos e aquele ser de alma pequena e desprezível seja sempre o que ele é, vivemos a esperar uma imagem de homem que nunca corresponde à realidade.

Somos ensinadas a esperar por homens seguros e apaixonados, mas recebemos homens covardes e controladores. As dissonâncias entre expectativa e realidade muitas vezes iludem mulheres que podem confiar que, agora sim, esses homens serão parceiros em nossas demandas. Não, não serão.

Há duas semanas, mulheres de diferentes as regiões, lugares sociais e espectros políticos se reuniram para exigir o compromisso de pré-candidatos com 19 pontos de políticas públicas para mulheres. Qual jornal destacou em suas capas e seguiu cobrindo nos dias sequentes? Quem cobrou pré-candidatos e qual se comprometeu? Algum representante de alguma religião se manifestou? Sabemos como funciona a sociedade patriarcal.

Lembro que, ao enviar minha contribuição para Marta Suplicy, escrevi que uma política pública necessária para esse país é uma que acolha e apoie os órfãos do feminicídio, uma categoria de, provavelmente, milhões de brasileiros, mas que nunca foi mapeada nacionalmente e que alimenta um ciclo vicioso de danos afetivos e materiais, como já escrevi nesta coluna anteriormente. Nesse caso, mais uma criança se soma a essa população.

A morte de Antonieli revela tragédias por muitas frentes. Que sua família encontre o apoio necessário, que o assassino seja responsabilizado e que possamos apoiar projetos políticos que verdadeiramente priorizem a vida das mulheres.

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