Djamila Ribeiro

Mestre em filosofia política pela Unifesp e coordenadora da coleção de livros Feminismos Plurais.

Salvar artigos

Recurso exclusivo para assinantes

assine ou faça login

Djamila Ribeiro

Política tomada por homens brancos perpetua lutas do Dia da Mulher

Câmara e Senado têm menos de 20% de representantes femininas, mesmo com eleições com reserva de vagas

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

A semana foi de intensa mobilização de mulheres em todo o mundo. Elas marcharam por direitos e denúncias de violências a que somos submetidas nos mais variados contextos.

No Brasil, temos infinitos motivos para marcharmos indignadas. As violências patriarcais históricas continuam fazendo vítimas —não bastasse isso, estamos sob um governo que impõe retrocessos às conquistas democráticas das mulheres .

Feminicídio em massa, falta de políticas públicas para mulheres, criminalização dos direitos reprodutivos são realidade em todo o país. Nesse cenário, mulheres veem com desânimo o cenário eleitoral que anuncia, mais uma vez, a presença supremacista de candidaturas masculinas e brancas.

No centro da ilustração, sobre um fundo amarelo, uma mulher negra, com cabelos pretos e presos, blusa branca de manga longa e calça azul, está posicionada, do quadril para cima,  junto à tribuna parlamentar de cor vermelha, enquanto fala ao microfone
Ilustração publicada em 10 de março - Linoca Souza

Recentemente, o Instituto para Mulheres da Universidade Georgetown divulgou um ranking de melhores aos piores países para ser mulher no mundo. O Brasil ostentou a vergonhosa 80ª posição e, numa série de quesitos, mostrou-se atrasado em relação aos vizinhos da América Latina, com o destaque para o pódio de pior país em representação feminina no Legislativo.

Com todas as questões metodológicas que se possa levantar sobre o estudo, dados concretos de subrepresentação feminina no Brasil são reais e vêm sendo denunciados há muito tempo, e não há resposta satisfatória dos partidos.

Diante do cenário, o Tribunal Superior Eleitoral vem trabalhando nos últimos anos para incentivar o cumprimento da cota de 30% de candidaturas femininas com campanhas públicas e fiscalização.

A fiscalização tem se estendido para além do cumprimento de candidaturas femininas, mas o quão substancial é o apoio das agremiações, já que dirigentes partidários deram um jeito de driblar a reserva.
Para se ter uma ideia, nas últimas eleições apenas uma mulher foi eleita em todas as capitais do país.

Câmara e Senado têm menos de 20% de mulheres como representantes —isso em eleições sob a regra da reserva de vagas. Ou seja, para além de apoiar candidaturas femininas comprometidas com os direitos das mulheres, é necessário reivindicar apoio político.

Por si só, ser mulher não significa uma candidatura comprometida com o progresso dos direitos das mulheres. Ao longo da história, são vários exemplos de mulheres cujo mandato foi de aliança ao projeto patriarcal e racista de manutenção do poder em certos grupos sociais.

Contudo, a falta de pluralidade é consequência do apagamento histórico a que grupos sociais vulneráveis estão submetidos no país. Como escrevo em minha obra "Lugar de Fala", o privilégio social é um privilégio de saber, o qual elege um discurso autorizado que privilegia certos grupos. Poder e identidade funcionam juntos, e desvelar os processos históricos é passo necessário para propor um novo modelo de sociedade.

É irônico constatar que esse país foi construído por opressões estruturais que privilegiam o homem branco e que o poder é por ele gerido a partir dessa identidade. Talvez assim, faça sentido pensar que estamos sob o identitarismo, isto é, um regime de poder pela identidade do homem branco.

O poder é masculino e branco, dado que homens negros e indígenas também foram e são excluídos desses espaços de poder e seguem sub-representados, com poucas candidaturas que são, de fato, apoiadas.

Olhando para o passado do país, vê-se como a construção histórica das desigualdades que se entrecruzam colore o presente. Enquanto povo negro e indígena, as pessoas foram alijadas durante a história do direito de votar e de serem votadas, seja com legislações que proibiam que todas as mulheres votassem, mas mesmo desde a vigência do voto das mulheres, também pela falta de condições materiais.

Às candidaturas femininas se soma ainda a misoginia. Mulheres negras e brancas que conseguiram superar os imensos obstáculos e se elegeram tiveram de travar guerras nos pleitos e dentro dos partidos.
Ao assumirem, lidaram e lidam com violências políticas patriarcais e racistas —no caso das mulheres negras—, incluindo a morte. Mulheres indígenas enfrentam obstáculos complexos, sendo que a primeira eleita na história do país foi no último pleito, a deputada Joênia Wapichana (Rede-RR).

No horizonte de 2022, a marcha de hegemonia masculina ameaça continuar. Li nesta Folha uma reportagem de 5 de março que fala sobre o recuo de candidatas a governo dos estados. Uma lástima que motivos sejam encontrados para reatualizar a máquina machista em funcionamento que afasta mulheres dos quadros políticos. A boa notícia é que existem mulheres organizadas se movimentando para conquistar esses espaços importantes. Que possamos fazer a nossa parte.

LINK PRESENTE: Gostou deste texto? Assinante pode liberar cinco acessos gratuitos de qualquer link por dia. Basta clicar no F azul abaixo.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.