Djamila Ribeiro

Mestre em filosofia política pela Unifesp e coordenadora da coleção de livros Feminismos Plurais.

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Djamila Ribeiro
Descrição de chapéu machismo

Brasil pensa que pessoas de baixa renda não merecem locais bem cuidados

Espaço Feminismos Plurais, destinado sobretudo ao acolhimento dos mais pobres, é inaugurado em São Paulo

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Nesta terça-feira (26), em um pequeno coquetel, inaugurei o Espaço Feminismos Plurais, no cruzamento entre a alameda dos Tupiniquins e a avenida Divino Salvador, em Moema, na zona sul de São Paulo.

Foi com muita emoção que abri as portas do sobrado pela primeira vez ao público. Foram parceiros patrocinadores de iniciativas nos últimos anos, jornalistas, amigos de Santos, de São Paulo. Muita gente querida.

Quando chegavam, percebia em boa parte das pessoas uma surpresa, pois o imóvel é lindo, sua iluminação é meticulosa, a escolha dos móveis é elegante.

Na ilustração, de fundo rosa claro, aparecem duas mãos negras, abertas e com uma rosa branca entre elas
Ilustração publicada em 28 de abril - Linoca Souza

Infelizmente, há uma ideia vigente no Brasil de que iniciativas voltadas à população de baixa renda não precisam de cuidado, uma espécie de pensamento que diz que as pessoas têm que ficar agradecidas pela mera existência daquilo e não devem reclamar de nada.

Essa ideia informa a história de bairros de baixa renda mal planejados e de tantos espaços no país desvalorizados por não serem voltados às classes econômicas de ampla maioria branca. Coloco-me frontalmente contra essa ideia.

A história do imóvel é curiosa. Ele foi cedido por Maurício Rocha, próspero empresário negro dono de imóveis na região. Maurício tem participação em diversos negócios, sobretudo em tecnologia. Por si só, já é uma baita história, pois, por causa do racismo, sabemos como pessoas negras com dinheiro ainda são uma raridade no país.

Maurício é um parceiro de longa data. No início, "quando era tudo mato", ele me enviou um email, e parabenizando pelo projeto da Coleção Feminismos Plurais, série de livros raciais críticos escritos por pessoas negras numa linguagem didática e preço acessível. Foi com essa série de livros que o primeiro deles, de título "Lugar de Fala", escrito por mim, foi publicado em 2017. Olhando para trás, faz pouco tempo, mas tudo foi muito intenso. O resto é história.

Atualmente são 12 títulos, todos publicados na Editora Jandaíra. Mas quando não eram nem sequer cinco e fazíamos tudo "na raça", Maurício se colocou à disposição para ajudar com o que fosse preciso e, desde então, financiou passagens aéreas, hotéis, bem como editais de livros para contar histórias de pessoas negras.

Do seu lugar social, Maurício pôde enxergar o trabalho desenvolvido pela e para a comunidade negra brasileira. E, ao enegrecer-se na ação, passou a fazer parte do oceano ao qual se integrou, analogia bem contada pelo babalorixá Rodney William quando pergunta: você quer ser uma gota ou você quer se integrar ao mar? Maurício tomou sua decisão e fico muito agradecida por isso.

Com a sede, o Espaço Feminismos Plurais contará com atendimento psicológico, odontológico e pedagógico para a população em geral —sobretudo a de baixa renda, a qual no Brasil em geral possui uma cor de pele bem demarcada. Serão oferecidos cursos de orientação jurídica e empresarial, sobretudo para a população que empreende há séculos, antes do termo empreendedorismo virar moda.

Serão oferecidas oficinas profissionais em diversos ramos, entre eles para escrita criativa. Uma programação será cuidada por pessoas exclusivamente voltadas ao espaço, para atender crianças, jovens, adultos e idosos, mas com um olhar cuidadoso para as mulheres.

Uma das coisas que pensamos para o espaço é fazer uma roda de acolhimento e de despertar da deusa que mora em cada uma das mulheres. Do lugar de onde venho, uma dinastia de mulheres sacerdotisas, não concebo um mundo só racional, mas uma compreensão holística do ser humano como racional, físico, emocional e espiritual.

Nenhum dos serviços prestados será cobrado. A princípio, funcionaremos com recursos próprios e de Maurício Rocha, mas estamos correndo atrás de parceiros para iniciativas.

No dia 5 de maio, faremos a inauguração aberta ao público. Será com o lançamento presencial dos livros "Transfeminismo", escrito por Letícia Nascimento, professora da Universidade Federal do Piauí, e "Trabalho Doméstico", escrito por Juliana Teixeira, professora na Universidade Federal do Espírito Santos. São os livros número 10 e 11 da coleção, mas que foram lançados na pandemia.

Este texto é um convite. Teremos celebração, pensamento crítico e esperança. As 50 primeiras pessoas que chegarem ganharão uma das obras, honrando a tradição inovadora dessa coleção, que transformou o mercado editorial brasileiro. Agora, a Feminismos Plurais dá seus passos rumo ao acolhimento junto à população. Estou muito animada e conto com vocês.

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