Djamila Ribeiro

Mestre em filosofia política pela Unifesp e coordenadora da coleção de livros Feminismos Plurais.

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Cobrar mensalidades em universidades públicas deve gerar novas injustiças

Proposta de emenda à Constituição não leva em conta os grupos sociais que enfrentam desafios para seguir estudando

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Democratização, políticas sociais e universidades públicas são palavras que deveriam andar sempre juntas para buscarmos um país mais justo, mas basta um brevíssimo olhar para a política deste país para entendermos como estamos distantes dessa utopia.

O maior exemplo da semana vem da proposta de emenda à Constituição feita pelo deputado general Peternelli (União Brasil-SP) para instituir a cobrança de mensalidade aos alunos e alunas de universidades públicas.

Na ilustração, sobre o fundo amarelo estão um punho cerrado à direita, uma mão ao centro e um punho à esquerda, cada um porta um diploma universitário, cada diploma tem a cor bege e possui uma fita vermelha. O primeiro punho, à esquerda, possui um tom de pele mais alaranjado,a mão, que é maior e se destaca ao centro, tem a cor marrom escura e o outro punho, à direita possui um tom de marrom mais claro.
Publicada nesta quinta-feira, 26 de maio de 2022 - Linoca Souza

O general, que também é deputado, deveria se lembrar de que a combinação entre militares e a universidade pública não orna a história desse país. Foi ela que gerou inúmeras mortes, perseguições, fuga de cérebros para outros países e atraso na ciência.

Segundo o general, ao propor a emenda, a medida seria necessária, uma vez que a "maioria dos estudantes dessas universidades acaba sendo oriunda de escolas particulares e poderia pagar a mensalidade".

Contudo, não é o que aponta uma pesquisa da Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior feita em 2018, que indica que 70,2% dos alunos estão na faixa de renda mensal de 1,5 salário mínimo.

Além disso, a pretensa preocupação com os mais pobres ocorre justamente quando a Lei de Cotas faz dez anos, com resultados inegáveis. Na última década, o número de alunos negros nas universidades, incluindo as públicas, quadruplicou.

Eu mesma sou fruto de políticas públicas no ensino público superior. Formei-me na Universidade Federal de São Paulo, no campus dos Pimentas, na periferia de Guarulhos. Uma universidade criada em 2007 durante a política de expansão das federais.

Há uma demanda gigantesca de políticas públicas para a área e, se quisermos mesmo desenvolvê-las, mesmo sob a ótica de financiamento, devemos fazer um debate honesto e aprofundado junto a diversos atores sociais.

A proposta está na Comissão de Constituição e Justiça e é de relatoria do deputado Kim Kataguiri, também do União Brasil-SP, e favorável à aprovação. O deputado alertou que não havia razão para repúdio à proposta, "uma vez que a cobrança de mensalidade seria apenas para os mais ricos".

Ocorre que sua afirmação de que "serão apenas os mais ricos" não está provada. Aliás, o corte social, como também a quantia do valor da mensalidade, não estão estipulados na proposta e, segundo ela, teriam de ser debatidos pelo Executivo e por cada universidade.

Seria ótimo se "os mais ricos" custeassem as universidades públicas. Então, quais são os critérios para estipular um corte social? Uma proposta de política pública que não seja qualificada de reflexão tende a produzir profundas injustiças.

Ora, falando em democracia, devemos destacar a interferência do governo executivo atual nas eleições das reitorias da universidade, como nunca visto na história democrática do país. Reitores e reitoras são pinçados para o cargo sem os votos da comunidade acadêmica e deixam rendida a autonomia para processos deliberativos.

Ficam outras perguntas: há reflexões na proposta sobre a realidade das mulheres? Por exemplo, quando entrei na Unifesp, eu já era mãe. A minha renda, por mais que pudesse ser a mesma de um colega meu, tinha uma outra finalidade. Para pessoas negras, a renda familiar é aproveitada de uma outra forma, pois para cada um ou uma que atinge uma renda alta, há toda uma comunidade que necessita de apoio material imediato.

Há diversos grupos sociais que enfrentam imensos desafios para permanecerem na universidade e uma cobrança de mensalidade consequente de uma política mal desenhada significaria um imenso obstáculo. Ou seja, uma política pública nacional em um país diverso como o nosso demanda trabalho e reflexão.

Aliás, fosse esse país um país sério, uma proposta de reforma do ambiente universitário partiria do seio das próprias universidades. Mas não, na nação que vem desmantelando ciência e tecnologia e que sucateia as universidades públicas —contribuindo de forma decisiva para a perda de competitividade do país—, soluções vêm de quem tem pouca ou nenhuma experiência com a matéria.

Está faltando competência para o trabalho legislativo, porém não surpreende que deputados que se ocupam de polêmicas inócuas no Parlamento e nas redes sociais sejam incapazes de propor políticas públicas que contemplem a complexidade do país.

O surgimento dessa proposta de emenda é a continuação da política de atraso do país, que está sendo desmantelado e que necessita de uma profunda mudança em outubro.

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