Djamila Ribeiro

Mestre em filosofia política pela Unifesp e coordenadora da coleção de livros Feminismos Plurais.

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Djamila Ribeiro
Descrição de chapéu jornalismo

Momento delicado é de resistência ao projeto político que precisa acabar

Violência tem sido estimulada, colocando todas as pessoas incômodas a essa situação brutal em situação de risco

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Quero, em primeiro lugar, manifestar toda a solidariedade às famílias de Bruno Araújo Pereira e Dom Phillips. Ambos desapareceram durante o processo de pesquisa para um livro de Dom sobre a Amazônia e formas de salvar a floresta do desmatamento. Já Bruno ficou notório pelo profundo conhecimento da região, sendo requisitado diversas vezes para acompanhar jornalistas em reportagens na floresta.

O desaparecimento da equipe de jornalismo foi denunciado no domingo (5), dois dias antes do Dia Nacional de Liberdade de Imprensa, celebrado —se é que podemos chamar assim— na terça-feira (7). Penso que essa data deveria ser uma semana, posto que os primeiros dias de junho foram datas de luto e de luta para o exercício da imprensa.

Ilustração da coluna de Djamila Ribeiro de 17/6 - Divulgação

Foi nesse exato período que, há 20 anos, Tim Lopes foi assassinado enquanto fazia uma reportagem sobre abuso de menores e tráfico de drogas no Complexo do Alemão, na zona norte do Rio de Janeiro.
Foi também nessa semana que, em 1977, quase 3.000 jornalistas assinaram um manifesto contra a censura à imprensa pelo regime militar. A reação foi impulsionada pela revolta contra o assassinato de Vladimir Herzog dois anos antes por agentes da ditadura brasileira.

Três eventos separados em aproximadamente 20 anos cada. A distância temporal entre eles não diminui a ligação que possuem entre si, pois são episódios que falam sobre o exercício da imprensa contra a violência que está presente nesse país.

O pior é perceber que essa violência tem sido estimulada, colocando todas as pessoas incômodas a essa situação brutal em situação de risco.

É uma violência estimulada pelo ódio disseminado aos povos indígenas e quilombolas, que têm suas lutas pelo direito à terra desrespeitadas e ameaçadas, pelo incentivo ao extrativismo ilegal, pela política exploratória que, desde 1500, arranca das terras encharcadas de sangue a madeira, o ouro e o alimento. Por uma política de segurança pública sanguinolenta, hipócrita, sistêmica, que atinge em ciclo as populações negras e que segue produzindo profundas desigualdades.

É estimulada pelo combate ao arbítrio e desinformação propagados por governos patriarcais, que se impõem pela verborragia e pelo porrete.

Nesse cenário, os grandes veículos de comunicação precisam fazer uma reflexão sobre responsabilidade diante da ladeira abaixo em que o país está despencando.

Precisa fazer sua autocrítica por incensar grupos reacionários, pensamentos machistas, rupturas institucionais; precisa refletir sobre as consequências da hegemonia branca e masculina em seus
espaços de poder e crítica.

Precisa pensar sobre "ídolos" criados e suas aventuras arbitrárias. Sobre como derrocadas do país são toleradas, em nome de uma política econômica de desmonte de políticas públicas.

Precisa refletir sobre o discurso religioso que propagou e que invisibilizou. Quando o professor Osmar Teixeira Gaspar, grande intelectual negro brasileiro morto na pandemia de Covid-19, escreve sobre democratização da mídia, um de seus argumentos é justamente a violência simbólica da exclusão da população negra, seus saberes e crenças, dos espaços de debate e representação.

Gaspar também reflete sobre a omissão do Estado em não fiscalizar as concessões, que são públicas, e, por esse motivo, deveria atender aos interesses da população.

Posto isso, nesse país sufocante que ocupa o pódio de um dos mais perigosos para defensores e defensoras dos direitos humanos, a reflexão sobre liberdade de imprensa deve vir acompanhada de responsabilidade pela transformação dessa realidade cruel vivida atualmente por uma nação que maltrata seu povo.

É um momento delicado, misto de dor, choro e resistência ao projeto político em curso que precisa acabar pelo bem do país.

Na próxima terça-feira (21) completo três anos como colunista desta Folha. Gostaria que o contexto fosse outro, mas registro aqui minha gratidão pelo espaço, no qual venho escrevendo com absoluta independência e liberdade.

Poder circular textos de larga repercussão nesse momento tão crítico na história da democracia é algo digno de nota.

Agradeço toda equipe do jornal e colegas colunistas na pessoa de Sérgio Dávila, quem fez o convite a mim para escrever semanalmente na Ilustrada. Também agradeço a você, cara leitora e leitor, pela companhia crítica.

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