Djamila Ribeiro

Mestre em filosofia política pela Unifesp e coordenadora da coleção de livros Feminismos Plurais.

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Djamila Ribeiro

Marco Mattoli foi um dos maiores expoentes do samba rock em São Paulo

Ouvinte de ópera na infância, ninguém imaginava que naquele rapaz floresceria a semente da música negra

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Em uma semana de despedidas, quero aqui prestar minhas homenagens ao querido Marco Mattoli, um dos grandes nomes da história do samba rock. Marco se foi vítima de um enfarto, aos 57 anos de idade.

Presto minha solidariedade à família, em especial à sua filha, Linda Mattoli, uma pessoa iluminada. Linda é dedicada mestra de kung fu, querida por toda sua comunidade e uma filha amada. Deixo um abraço carinhoso.

Na ilustração de fundo verde, está a imagem de Marco Mattoli. Ele aparece do ombro para cima e acena com a mão direita. Marco é um homem branco, calvo, com cabelos, barba e bigode grisalhos, está usando uma camisa azul com detalhes de cor laranja e vermelho, ele usa óculos aviador de armação dourada e sorri. Atrás de sua figura estão dois arabescos amarelos no formato de plantas
Ilustração publicada em 11 de agosto - Linoca Souza

Marco foi o caçula de uma família de descendentes de italianos na Vila Madalena, em São Paulo. Cresceu ouvindo a ópera que a mãe e o pai punham na vitrola todos os dias. Nem passava pela cabeça deles que o que floresceria mesmo naquele filho era a semente do samba.

E demorou pouco até que a criança desse conta do seu caminho. Como ele contava, o que o arrastou para a música foi o "chamado do tambor", quando ainda era bem menino. O chamado é como cunhou o momento em que ouviu o batuque pela primeira vez, na passagem de uma escola de samba no litoral de São Paulo.

Os sons da percussão negra tocaram a criança que, a partir dos toques envolventes, não quis saber de mais nada que não fosse fazer parte daquela magia. Já voltou para a casa batucando nas paredes...

Seu pai não entendia o que estava acontecendo e a mãe tampouco, mas colocaram a criança no conservatório para aprender instrumentos. As irmãs o presenteavam com discos de música brasileira até que chegou às suas mãos o disco "Gil & Jorge: Ogum, Xangô". Daí o menino se apaixonou pelo ritmo e virou "caso perdido".

O Fla, Fla Jorge Ben provavelmente não imaginava que sua música original seria uma grande inspiração para o movimento paulista do samba rock, gênero que se tornou patrimônio cultural imaterial de São Paulo, graças aos esforços de Mattoli e outras pessoas que viveram pela valorização da cultura negra. Mas a verdade é que a música de Ben transcendeu horizontes e ganhou na Paulicéia uma outra casa.

A confirmação do samba rock como um patrimônio cultural coroou o renascimento da música com a cara de São Paulo. Nos anos 1970, o ritmo foi sucesso, sobretudo nos bailes negros como o Chic Show, Zimbábue, Manhattan, entre outras casas. Os DJs traziam a coisa fina das viagens ao exterior em seu repertório exclusivo. Aproveito para saudar Osvaldo Pereira, nosso griô, o primeiro DJ da história de São Paulo.

Nas duas décadas seguintes o samba rock caiu em desuso até voltar nos anos 2000. Atualmente, depois de tanta história o ritmo segue com suas dificuldades para ser compreendido. Como Marco dizia, "quem não entendeu que o samba rock é uma música negra, não entendeu o samba rock".

"[O samba rock] é uma coisa paulistana, mas antes de ser uma música, você tem que pensar no samba rock como uma cultura afrodescendente baseada em alguns elementos, como a dança. Segundo, é uma cultura de festa. Tem que ter o baile, esse espaço sagrado. E o outro elemento é o DJ. Porque tem uma coisa muito interessante da cultura do samba rock é que ele não é definido por um estilo musical. Tanto que, se você for num baile, você vai ver o pessoal dançando com Ray Charles, com Jimmy Smith...", afirmou em entrevista ao podcast "Papo de Som", neste ano.

Marco foi um dos grandes responsáveis por essa retomada do samba rock. Aquela criança se tornou um jovem inquieto que trabalhava em técnica de estúdio e fazia por conta algumas músicas com o toque do tambor que sentia faltar no cenário naquele momento.

Certo dia, no final da década de 1980, ele estava trabalhando na técnica do estúdio e chegou Marquinhos Silveira, que foi produzir um grupo de samba. Ao ver o homem, ele tomou coragem e se apresentou. Disse que tinha umas músicas que "não é samba, não é pagode, tem um quê de pop". O produtor topou ouvir e terminou embasbacado.

Marquinhos pegou o telefone antigo e girou o discador número por número. "Tô aqui com um branquinho, ele é demais! Vamos pôr na coletânea?" E assim estreou em "Nos Bailes da Vida", com sua primeira banda, a Guanabaras, passando a se apresentar em diversas casas.

Mais de uma década depois, já com muita estrada, começou o Clube do Balanço, que marcou o nome na história do samba rock em São Paulo. Sua estreia foi abençoada e teve participação de inspirações suas, como Luis Vagner, Bebeto, Erasmo Carlos, Paula Lima, Seu Jorge, Ivo Meirelles e do próprio Jorge Ben. Com o Clube do Balanço, Marco rodou o mundo, que sambou com ele.

A partida foi como sua trajetória: com o respeito dos gigantes que viam nele um dos seus. Comoção e saudade tomam conta, mas também a certeza de que, esteja onde estiver, Mattoli está com Branca di Neve, Bedeu e tantos outros responsáveis pela construção desse imenso legado cultural para São Paulo.

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