Drauzio Varella

Médico cancerologista, autor de “Estação Carandiru”.

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Drauzio Varella

Músculos Fracos

Há uma estimativa aproximada de que a imobilidade dos mais velhos em leito hospitalar provoque a perda de até 2% da massa muscular por dia.

 Ilustração para a coluna do Drauzio Varella
Líbero/Editoria de Arte/Folhapress
 

A força muscular atinge o vigor máximo antes dos 30 anos. Daí em diante é o declínio natural, lamento informar.

Acontece dessa forma porque o corpo humano não foi selecionado para viver mais do que 20 ou 30 anos. No decorrer dos 6 milhões de anos de evolução, foram raros os que passaram dessa idade.

No império romano ou na China do século 19, a expectativa de vida ao nascer era ao redor de 30 anos. Nos países europeus mais desenvolvidos do início do século passado chegou aos 40. Ainda há pouco, quem sobrevivia até completar 60 anos era chamado de sexagenário.

No ano 2000, cerca de 71 milhões de mulheres e homens ultrapassaram os 80 anos, número que em 2030 atingirá 202 milhões, e chegará a 434 milhões em 2050 (dados da ONU).

Você, leitor, vai querer estar entre eles e, se possível, comemorar o nonagésimo aniversário; mas não a qualquer preço. Entrevado no leito, incapaz de realizar por conta própria as atividades diárias mais simples, não vale a pena.

Os maiores inimigos da independência individual na velhice são as deficiências cognitivas características das demências e a perda da massa e das funções musculares.

A revista Nature traz um artigo sobre o enfraquecimento que impede os mais velhos de subir escadas, andar até a padaria ou levantar da cadeira sem ajuda, processo degenerativo que Irwin Rosemberg, da Universidade de Boston, chamou de sarcopenia, em 1988.

Se o termo ainda não existia até essa data, é porque a redução progressiva da massa muscular não era considerada patologia, mas inerente à fisiologia do envelhecimento. A mesma complacência médica havia ocorrido com a osteoporose até o início dos anos 1980.

As causas da sarcopenia são multifatoriais: vida sedentária, queda dos níveis de testosterona, estrogênio e hormônio do crescimento, infiltração de gordura entre as fibras musculares, perda dos neurônios que conduzem o estímulo aos músculos, resistência à insulina, deficiência de vitamina D e ingestão deficitária de proteína.

As estratégias de prevenção mais estudadas têm sido as que envolvem o estilo de vida. Ensaios clínicos que investigaram a influência dos exercícios com levantamento de pesos e de força contra resistências mostraram aumentos significativos da massa muscular, em qualquer idade.

Os que avaliaram o papel do exercício aeróbico (andar, correr etc.) concluíram que o impacto na força muscular é pequeno.

O grupo que corre risco mais alto de sarcopenia incapacitante é o daqueles que enfrentam períodos longos de inatividade, causados por doenças debilitantes, consolidação de fraturas e hospitalizações. 

Há uma estimativa aproximada de que a imobilidade dos mais velhos em leito hospitalar provoque a perda de até 2% da massa muscular por dia. Ou seja, perda de 30% numa internação de apenas 15 dias.

Em 2013, uma revisão da literatura realizada pela European Geriatric Medicine Society demonstrou que a ingestão de proteína é fundamental para a manutenção dos músculos. A sociedade recomenda que mulheres e homens saudáveis com mais de 65 anos aumentem o consumo. Nos portadores de enfermidades crônicas deve ser maior ainda.

Há diversas pesquisas no campo da farmacologia. A descoberta de medicamentos capazes de ajudar na prevenção do enfraquecimento muscular teria muito interesse clínico e comercial.

A administração de testosterona é controversa. A insegurança vem dos efeitos indesejáveis: virilização das mulheres, mudanças da voz, toxicidade hepática e a possibilidade de aumentar o risco de câncer de próstata, preocupação que não pode ser descartada.

Uma área promissora é a que considera uma provável ligação entre o tratamento da sarcopenia e o rejuvenescimento. Durante o exercício, as contrações das fibras musculares liberam proteínas (mioquinas) que caem na corrente sanguínea e vão interferir com a fisiologia de diversos órgãos, inclusive com o funcionamento do cérebro.

A passividade diante do conceito de que o envelhecimento está associado ao declínio inexorável das funções motoras, das atividades cognitivas e às doenças degenerativas faz parte do passado da medicina.

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