Drauzio Varella

Médico cancerologista, autor de “Estação Carandiru”.

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Drauzio Varella
Descrição de chapéu

A moda do glúten

Qual a origem da ojeriza ao componente presente no trigo, cevada e centeio?

Ilustração
Líbero/Folhapress

Nunca houve tantos modismos na dieta quanto hoje.

Na segunda metade do século passado, os serviços de saúde americanos decidiram considerar a gordura animal um veneno que obstruía coronárias e artérias cerebrais. A consequência foi o consumo excessivo de carboidratos, que disseminou a epidemia mundial de obesidade.

O início deste século assistiu ao nascimento de dietas surpreendentes: veganas, neandertais, sem lactose, sem glúten e até as que condenam tudo o que contém DNA (restariam as pedras, talvez).

Nos últimos dez anos, as dietas sem glúten ganharam notoriedade entre pessoas de poder aquisitivo mais alto. O número de mulheres que eliminaram esse componente encontrado no trigo, na cevada e no centeio explodiu.

A principal razão para o sucesso entre o público feminino não foi uma inesperada intolerância coletiva ao glúten, mas que suprimir esses três nutrientes faz perder peso, porque significa cortar pão, macarrão, bolos, biscoitos, tortas e outros carboidratos simples de índice glicêmico elevado.

Que fundamentos deram origem a essa ojeriza ao glúten, presente em nossas mesas desde que inventamos a agricultura, 10 mil anos atrás?

Existem pessoas geneticamente predispostas a disparar uma resposta imunológica autodestrutiva quando a mucosa dos intestinos entra em contato com uma proteína presente no glúten, a gliadina. Ao atacar a gliadina, glóbulos brancos imunologicamente ativados provocam uma reação inflamatória na mucosa, que atinge a camada abaixo dela.

Conhecido como doença celíaca, esse quadro é caracterizado por flatulência, diarreia, obstipação, cólicas, lesões de pele, emagrecimento e fadiga, entre outros sintomas.

O número de pacientes com diagnóstico de doença celíaca na população é proporcionalmente insignificante quando comparado aos que alegam benefícios ao evitar alimentos que contém glúten.

Numa discussão na revista Science, Kelly Servick calcula que, só nos Estados Unidos, vivam 3 milhões de pessoas sem doença celíaca que declararam guerra ao glúten. No Brasil, o número é desconhecido.

Descontadas as que seguem o modismo, uma pequena parte delas tem sintomas compatíveis com alergia a alguma proteína do glúten diferente da gliadina: flatulência, cólicas, diarreia, náuseas, fadiga e até dores articulares.

Os autores concordam com a existência de casos de intolerância não celíaca, mas divergem no entendimento dos mecanismos responsáveis por ela.

Um grupo está convencido de que a explicação estaria numa resposta imunológica contra outras proteínas do trigo, patologia obscura batizada com o nome de "sensibilidade não celíaca ao glúten". A reação não seria mediada pelos glóbulos brancos da doença celíaca, mas pelos anticorpos IgE, característicos dos processos alérgicos.

Outros acham que esses pacientes reagiriam à presença de carboidratos não absorvíveis pela mucosa intestinal, existentes no trigo e em outros alimentos. Esses carboidratos são conhecidos pela sigla OMDPPFs (oligossacarídeos, monossacarídeos, dissacarídeos, polissacarídeos e poliois fermentáveis).

OMDPPFs também são encontrados em concentrações elevadas em cebolas, alhos, leite, iogurte, maçãs, cerejas, mangas e alguns legumes, vegetais que sofrem fermentação no intestino e podem provocar sintomas semelhantes aos da alergia ao glúten. Nesse caso, milhares de pessoas eliminariam trigo, cevada e centeio de suas dietas inutilmente.

Na falta de marcadores que permitam identificar se flatulência, cólicas, náuseas e diarreia são causadas pela "intolerância não celíaca" ao trigo ou por carboidratos do tipo OMDPPFs, a controvérsia a respeito dos alimentos que devem ser suprimidos divide os especialistas. Evitar glúten, lactose e todos os alimentos que contêm OMDPPFs torna as refeições restritivas, monótonas e com risco de não oferecerem os micronutrientes essenciais ao organismo.

O que fazer, prezada leitora, enquanto os especialistas não desenvolvem exames laboratoriais para identificar o tipo de alimento que lhe traz desconforto abdominal?

Use o bom senso: experimente ficar duas ou três semanas sem ingeri-lo. Depois, volte a fazê-lo, para comparar os sintomas nos dois períodos. Se na reintrodução os sintomas retornarem, repita o teste mais uma vez, para ter certeza.

Não vá na onda da moda, não seja Maria vai com as outras.

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