Drauzio Varella

Médico cancerologista, autor de “Estação Carandiru”.

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Drauzio Varella
Descrição de chapéu Coronavírus

Vacinação não vai expulsar a Covid, mas evitará casos graves e mortes

A ideia de que seria melhor todos se infectarem logo para nos tornarmos imunes é de uma burrice enciclopédica

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Será longo nosso convívio com este coronavírus. As vacinas não são as balas de prata que o expulsarão do Brasil, em um ou dois anos. Antes delas, já ouvíamos falar na tal imunidade de rebanho —ou coletiva, como preferem os especialistas— segundo a qual, haveria controle da transmissão do vírus quando pelo menos 60% a 70% da população fosse infectada.

Defendida pelo nosso presidente e por seus ajudantes de ordens, a ideia de que seria melhor todos se infectarem logo para nos tornarmos imunes, além de ter-nos levado ao colapso do sistema de saúde e à liderança das mortes diárias no mundo, é de uma burrice enciclopédica.

ampulheta com vírus em vez de grãos de areia
Líbero/Folhapress

Mesmo com a vacinação, atingir níveis de imunidade que eliminem o vírus é pensamento mágico. A revista Nature traz uma discussão, na qual são apontadas cinco razões para justificar essa
impossibilidade
.

1) Não sabemos se a vacinação é capaz de prevenir novas transmissões.

As cinco vacinas já aprovadas pela Anvisa são muito eficazes na prevenção das formas graves da Covid. Nenhum estudo, entretanto, demonstrou que pessoas vacinadas estão protegidas contra as apresentações assintomáticas. Se alguém vacinado for capaz de carregar o vírus nas mucosas nasais, a transmissão será mantida enquanto todos não estiverem imunizados.

2) Há disparidade na distribuição das vacinas.

Quando 60% dos israelenses e 35% dos britânicos já haviam recebido pelo menos uma dose da vacina, apenas 13% dos brasileiros e 3% dos indianos haviam tido a mesma sorte. Mesmo um país pequeno como Israel, que vacina 1% da população por dia, enfrenta dificuldade para manter o ritmo: os mais jovens resistem à vacinação, a ponto de o Ministério da Saúde oferecer cupons para distribuir pizza e cerveja aos que se dispuserem a ser imunizados.

A vacinação prioritária dos mais velhos, justificada pelos índices de morte entre eles (72% no Brasil), retarda a imunização dos mais jovens, grupos que se movimentam mais nas cidades. Necessária para combater a disseminação, a vacinação de crianças ainda é incerta.

A Pfizer e a Moderna começaram a incluir adolescentes em seus estudos. A Oxford-AstraZeneca e a Sinovac estão testando em crianças com mais de três anos. Sem vacinar as crianças, será necessário imunizar cada vez mais adultos para nos aproximarmos de níveis protetores de imunidade.

3) As novas variantes.

Em junho de 2020, o grupo da doutora Ester Sabino, da USP, calculou que mais de 60% dos habitantes de Manaus tinham anticorpos contra o vírus, sinal de que ele infectara a maior parte dos manauaras. Muitos acharam que a imunidade coletiva fora alcançada. Em janeiro, Manaus assistiu a uma onda ainda mais devastadora. A variante P.1 foi responsável por 100% dos casos.

Por surgirem ao acaso, as mutações num país desigual como o nosso poderão produzir cepas virais resistentes às vacinas. A situação exigirá novos imunizantes e campanhas periódicas, como as da gripe.

4) A imunidade não dura para sempre.

Embora quem já foi infectado esteja relativamente protegido contra novas infecções, cerca de 20% podem ficar doentes outra vez. Entre aqueles com mais de 65 anos as recidivas podem chegar a 50%.

Além de não haver vacinas 100% eficazes, faltam dados para saber a duração da imunidade induzida por elas. Se nem a doença protege para sempre, é pouco provável que a vacinação o faça.

5) O impacto da vacina no comportamento social.

A TV mostra senhoras e senhores que, ao receber a primeira dose, dizem que agora visitarão os netos. Quanto mais gente estiver vacinada, maior será o número de interações sociais, fator que aumentará o risco de novas transmissões.

S. Banzal, da Universidade Georgetown, em Washington, propõe a seguinte situação: “Imagine alguém não vacinado que entre em contato com apenas um amigo. Se ao receber uma vacina com 90% de eficácia, ele se reunir com dez amigos, correrá risco igual ao da fase pré-imunização”.

Em 2022, quando a maior parte dos brasileiros estiver imunizada, será muito difícil convencê-los a não adotar os comportamentos pré-epidemia. Como explicar que a vacinação não será a garantia de que estaremos completamente seguros?

Sejamos realistas: esse coronavírus veio para ficar entre nós por muito tempo. A vacinação, no entanto, será capaz de evitar os casos graves e as mortes. Não é pouco.

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