Drauzio Varella

Médico cancerologista, autor de “Estação Carandiru”.

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Drauzio Varella
Descrição de chapéu drogas

Mortes por fentanil estão às portas das casas brasileiras

A droga sintética está por trás de muitas mortes catalogadas como 'overdose de cocaína'

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O fentanil é um opioide sintético 50 vezes mais potente que a heroína e cerca de cem vezes mais potente que a morfina.

Administrado por via oral ou intravenosa, sua ação é rápida, bem como rápida é sua eliminação do organismo, propriedades farmacológicas que justificam seu emprego em anestesia, especialmente em procedimentos pouco invasivos. É possível que você, leitor, já tenha recebido esse medicamento, numa endoscopia ou na correção de uma fratura óssea, sem saber. Os anestesistas consideram o fentanil bastante seguro, desde que administrado por mãos experientes.

O risco é o seu uso indevido, porque a margem de segurança é estreita: doses de até 2 mg podem provocar paradas respiratórias fatais.

Ilustração em um traço sujo em preto sob papel. Em primeiro plano na parte inferior do quadro, há um perfil de um rosto atormentado na horizontal. O rosto tem muitas marcas e rugas, os olhos estão arregalados olhando para o vazio, olham para a parte superior do quadro, as olheiras são negras e profundas, a boca de dentes podres está aberta; uma mão pálida de unhas longas, como a de um vampiro, despeja uma pequena pílula brilhante na boca. Ao fundo vários crânios observam mudos a cena.
Ilustração de Libero para coluna de Drauzio Varella de 22.mar.23 - Libero

Quanto mais curto o intervalo entre a administração de uma droga psicoativa e a sensação de prazer provocada por ela, maior o risco de dependência química. É o que explica o sucesso da nicotina: a fissura acaba em segundos já na primeira tragada. Pela mesma razão, fumar crack é mais compulsivo do que cheirar cocaína.

O que faz do fentanil uma droga de uso compulsivo é o prazer quase imediato que ele traz, seguido de sua excreção rápida. O que o torna muito perigoso são as mortes por overdose em segundos ou minutos após a administração. Na comparação, os óbitos por overdose de outros opioides como heroína ou oxicodona levam minutos ou horas para acontecer.

Nesse cenário, o exemplo dos Estados Unidos, o país que mais consome drogas ilícitas, é trágico: as mortes por overdose de drogas sintéticas aumentam a cada ano. Entre 2019 e 2020, o número duplicou. Em 2021 foram 107 mil casos, dos quais 70 mil associados a opioides sintéticos —destes, 2/3 provocados pelo fentanil.

Antes de uso restrito a adolescentes e jovens, o fentanil não tardou a chegar aos adultos. No período de 2020 a 2021, o consumo na faixa etária de 65 anos ou mais aumentou 28%.

É droga fácil de sintetizar, a maior parte da produção vem de pequenos laboratórios na China, por um preço bem menor que o da heroína. A margem de lucro é astronômica, os cartéis mexicanos compram o quilo na China por US$ 5.000, quantidade que rende em média 20 quilos depois de batizado.

Ao atravessar a fronteira americana o quilo passa a valer US$ 80 mil.

A venda dos comprimidos no varejo confere aos traficantes US$ 1,6 milhão. Para os que ganham a vida no tráfico é tentação demais. Além do que, é mais fácil e menos arriscado transportar e distribuir comprimidos do que grandes volumes de maconha ou cocaína.

Os números das apreensões feitas pelo DEA, dos Estados Unidos, refletem essa facilidade. Em outubro de 2022, na Califórnia, foram apreendidos 24 quilos de fentanil em pó, quantidade suficiente para prensar 2.500 comprimidos. Neste ano, o DEA já apreendeu 4,5 toneladas de fentanil em pó e 50,6 milhões de comprimidos, quantidade suficiente para exterminar a população americana.

Acrescentar fentanil a medicamentos vendidos clandestinamente pela internet, com os nomes de Percocet, OxyContin, Ritalina, Xanax, Adderal, Ecstazy e outos, virou prática corrente entre os traficantes, com a finalidade de potencializar o efeito psicoativo e/ou analgésico e criar dependência. Numa ação do DEA foram apreendidos 20,4 milhões desses comprimidos falsificados de aparência igual à dos verdadeiros. Encontraram doses letais de fentanil em 4 de cada 10 comprimidos analisados. Muitos dos que perderam a vida por causa desses comprimidos fake não tinham ideia de que ingeriam doses letais de fentanil.

Segundo o DEA, cerca de 75% da cocaína hoje vendida nos Estados Unidos contém fentanil. Ela está por trás de muitas mortes catalogadas como "overdose de cocaína".

Esse comércio ilícito é feito com liberdade pelo Facebook, Instagram, Telegram, TikTok, Twitter, Snapchat e pela deep web. Nessas plataformas, o fentanil é oferecido em mensagens cifradas, acompanhadas de emojis que funcionam como senhas de acesso.

Dado esse contexto internacional, fica evidente que não seríamos poupados. Neste ano, a Polícia Civil do Espírito Santo apreendeu no município de Cariacica —região metropolitana de Vitória— 31 frascos de fentanil líquido.

Estou convencido de que as mortes por fentanil estão às portas das casas brasileiras, infelizmente. Vamos agir como os avestruzes?

Drogas, inclusive frascos de fentanil, apreendidas pela Polícia Civil do ES em 10 de fevereiro - SESP-ES/Divulgação

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