Edgard Alves

Jornalista, participou da cobertura de sete Olimpíadas e quatro Pan-Americanos.

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Esporte brasileiro tem que entrar firme no combate ao abuso sexual

São Paulo

Abusos e assédios sexuais são manchetes cada vez mais frequentes. No exterior, os casos têm sido explosivos, envolvendo políticos, empresários e astros em geral --do show business, da TV, cinema, música e esportes. Ninguém escapa. Fatos do momento ou de décadas passadas ganham espaço na mídia, e provocam indignação e repulsa.

O Brasil não fica muito atrás. Os costumes também evoluíram, e continuam progredindo por aqui, embora em ritmo bem mais lento, estimulando oportunidades para que abusados percam receios e denunciem arbitrariedades. Os tempos mudaram.

Suspeitas de abusos e de violações sexuais sempre existiram nos meios esportivos, mas as denúncias eram raras. Acabavam abafadas. Os avanços sociais modificaram esse quadro. Por isso, cresce o número das acusações.

Fernando de Carvalho Lopes foi acusado de abuso sexual contra ginastas e ex-ginastas
Fernando de Carvalho Lopes foi acusado de abuso sexual contra ginastas e ex-ginastas - Ricardo Bufolin/CBG

Duas delas, reveladas nos últimos dias, colocaram em polvorosa os bastidores dos esportes no Brasil, ambas em equipes masculinas. Uma teria ocorrido na base de futebol do Santos, da cidade no litoral de São Paulo, e outra no ABC paulista, na ginástica artística. Há ainda casos de bullying, ou seja, humilhação gerada por ofensas originadas das violações

Atletas jovens que, com o passar do tempo, ganharam coragem, denunciaram crimes que teriam sido praticados por seus treinadores. São atos repugnantes, coações que tornam completamente vulneráveis jovens arregimentados pelo potencial diagnosticado para o esporte.

O escândalo da ginástica, revelado pelo programa Fantástico da TV Globo, informou que 42 pessoas disseram ter sido vítimas de abuso físico, moral ou sexual de um ex-treinador do ABC que chegou a trabalhar com a seleção brasileira. As violações teriam acontecido entre 2001 e 2016. Óbvio, tanto na ginástica como no futebol, os denunciados negam envolvimento nas patifarias.

Comportamentos sexuais impróprios ou criminosos têm interpretações abrangentes. Implicam desde uso inadequado de linguagem, comentários ou observações sobre sexo, toque sem autorização no corpo de uma pessoa, pedido de favores sexuais, gestos ofensivos, violência ou intimidação física e ato sexual sem consentimento, entre outros.

Em um ambiente de práticas esportivas, as relações e contatos estão sempre presentes e exigem cuidados especiais no desenho dos seus limites.

Na semana passada, em reportagem nesta Folha, Alex Sabino entrevistou o britânico Andy Woodward, 44, que denunciou escândalos no mundo esportivo do seu país e hoje dá palestras sobre o tema. Orienta sobre prevenção nos clubes e preparação das autoridades para fazerem as vítimas confiarem que podem contar o que sofreram.

Ele próprio foi abusado dos 8 aos 14 anos por um treinador. Teve coragem e denunciou, incentivando outras vítimas a agir da mesma forma. O técnico acabou condenado a 31 anos de prisão. Woodward levou muito tempo e sessões de terapia para lidar com o trauma emocional.

Postura exemplar foi tomada nos Estados Unidos com condenação por abusos sexuais --e penas de prisão que somam mais de 300 anos-- de Larry Nassar, ex-médico da equipe nacional de ginástica daquele país.

O escândalo repercutiu no Comitê Olímpico Internacional. Na sequência do julgamento de Nassar, o COI anunciou medidas para uma barragem contra violações sexuais. Susan Greinig, que trabalha há duas décadas na direção médica da entidade, relembrou que o tema era tabu. Por isso, segundo ela, a tomada de consciência deve ser reforçada para proteção de jovens esportistas.

A federação de ginástica dos Estados Unidos, por sua vez, anunciou novas recomendações com a intenção de salvaguardar seus atletas. Paul Parilla, do comando da organização, afirmou que um só caso de abuso contra crianças já seria demais. O FBI, unidade de polícia do Departamento de Justiça dos Estados Unidos, atuou na apuração das violações.

Tanto a ocorrência ultrajante da ginástica como a do futebol exigem a intervenção e a investigação das confederações brasileiras das respectivas modalidades, bem como do Comitê Olímpico do Brasil, dos clubes envolvidos e do Ministério Público. Não se trata de episódios meramente esportivos. São atos criminosos praticados por adultos contra menores desprotegidos.

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