Edgard Alves

Jornalista, participou da cobertura de sete Olimpíadas e quatro Pan-Americanos.

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Descrição de chapéu Ásia

Caso da tenista chinesa Peng Shuai faz lembrar da Guerra Fria

Durante o desaparecimento da atleta, líderes políticos de relevo pressionaram a China

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O caso da tenista chinesa Peng Shuai é emblemático. A atleta, de 35 anos, campeã de duplas em Wimbledon e Roland Garros, desapareceu repentinamente no início de novembro, depois de ter acusado Zhang Gaoli, ex-vice-primeiro-ministro da China, de a ter forçado a uma relação sexual.

Ela também confirmou ter um caso com o político, homem casado, 40 anos mais velho do que ela. A mensagem de Pen Shuai foi retirada do ar. Não houve nenhuma manifestação de Zhang Gaoli e do governo chinês. Inúmeros atletas e países, entre eles Estados Unidos e França, manifestaram preocupação com o destino da tenista.

A ONU pediu, por sua vez, uma prova de que ela estava sã e salva, enquanto a hashtag #WhereisPengShuai (#OndeEstaPengShuai, em português) se espalhou pelas redes sociais.

Depois de quase três semanas de ausência, Peng reapareceu num jantar com amigos no sábado (20) e num torneio de tênis juvenil em Pequim no domingo (21) como mostraram fotos e vídeos publicados por jornalistas da mídia estatal chinesa. As imagens circularam pelo mundo na internet criando um impasse.

A tenista Peng Shuai em ação durante um torneio em Zhuhai, na China, em 2017
A tenista Peng Shuai em ação durante um torneio em Zhuhai, na China, em 2017 - AFP

O presidente do COI (Comitê Olímpico Internacional), o alemão Thomas Bach, participou de vídeo-conferência de 30 minutos com a tenista. Naquele momento, o cartola estaria acompanhado da presidente da Comissão de Atletas do COI, Emma Terho, e pelo membro do COI na China, Li Lingwei.

Em comunicado, o COI disse que a atleta afirmou que está segura e bem, morando em sua casa em Pequim, mas gostaria que sua privacidade fosse respeitada neste momento.

O informe relatou ainda que Bach estará em Pequim em janeiro e que convidou Peng para jantar quando ele chegar à cidade. E que Peng aceitou de bom grado.

Várias entidades, no entanto, continuaram com dúvidas sobre a pressão que a tenista pode estar sofrendo das autoridades governamentais do seu país por ter denunciado um político poderoso. A China é alvo permanente de denúncias de violações de direitos humanos.

As críticas não poupam o COI, dizendo que a entidade parece querer jogar a sujeira para baixo do tapete. O contato de Bach com a tenista, segundo as versões, teria como pano de fundo acalmar os ânimos em relação aos Jogos Olímpicos do início do ano que vem.

A situação deixa uma sensação semelhante provocada pela Guerra Fria, que teve como protagonistas de um lado a então socialista União Soviética, com apoio dos seus satélites e, do outro, os capitalistas Estados Unidos e aliados.

Aquele confronto causou tensão geopolítica. Despontou pouco depois do fim da Segunda Guerra Mundial, mais precisamente em 1947, e seguiu até a queda do Muro de Berlim, em 1989, e o fim da União Soviética, em 1991.

No esporte, durante aquela polarização mundial, dois fatos relevantes atingiram os dois países, líderes de seus pares na Guerra Fria. Os Estados Unidos comandaram o boicote aos Jogos Olímpicos de Moscou-1980 e receberam o troco nas Olimpíadas de Los Angeles-1984.

Os grandes eventos internacionais, porém, não são alvos fáceis de boicote. Pequenos fatos, ao contrário, às vezes acabam extrapolando fronteiras, transformando-se em enormes polêmicas que viralizam. A simbiose esporte-política é inerente a ambas atividades que andam de mãos dadas para o bem e para o mal nas relações humanas. A mescla é perceptível, mas tem negacionistas, os crentes de que as duas atividades nunca se misturam.

Pela penetração popular e repercussão mundial, o esporte é campo fértil nas relações internacionais entre os países e reúne potencial para tornar explosiva qualquer tipo de informação, relevante ou não. Esta é a hipótese mais provável desse episódio centrado em Peng Shuai, que continua ativa nas quadras.

Thomas Bach, presidente do COI, conversa com Peng Shuai por videoconferência
Thomas Bach, presidente do COI, conversa com Peng Shuai por videoconferência - Greg Martin - 21.nov.2021/AFP

Assim, situações semelhantes costumam ter variados interesses (ideológicos, políticos, econômicos e outros), que ultrapassam o esporte e exigem muita cautela em qualquer avaliação. A confusão envolvendo a tenista chinesa, não há dúvida, tem cheiro semelhante ao da Guerra Fria.

Sem razão ou com ela, todos os envolvidos apelam para o subjetivo na acusação e na defesa. Nesse episódio, a tenista Peng Shuai ao menos parece estar batendo a sua bolinha, já tendo no currículo o registro fabuloso de vitoriosas jornadas em eventos internacionais.

Durante o desaparecimento de Peng Shuai, líderes políticos de relevo pressionaram a China, utilizando como arma um possível boicote aos Jogos Olímpicos de Inverno, marcados para fevereiro, em Pequim. Embora a motivação fosse outra (violação de direitos humanos), agitou a onda do sumiço da tenista.

O mundo do tênis está apreensivo e não mostra confiança nas informações. Uma delas disse que o canal estatal CGTN divulgou uma captura de tela no Twitter de um e-mail atribuído a Peng e supostamente destinado a Steve Simon, diretor da WTA, e outros executivos da associação de tênis feminino.

Nela, Peng afirmava que as acusações de abusos sexuais "não eram verdadeiras". O assunto não teve outros esclarecimentos. A WTA exigiu uma investigação "transparente e justa" das acusações feitas pela atleta. Paralelamente, Steve Simon, destacou na rede CNN a possibilidade de retirar as competições de tênis da China.

O presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, surpreendeu ao afirmar na semana passada que estava considerando um boicote diplomático aos Jogos na China. Nenhum representante do governo norte-americano compareceria às cerimônias olímpicas, mas nada foi decidido até o momento. Chegou a convidar o Canadá para acompanhá-lo.

Dias antes, Biden teve suas primeiras conversas diretas com o líder chinês Xi Jinping. Na Casa Branca, a porta-voz de Biden, Jen Psaki, disse que os líderes dos EUA e da China não discutiram as Olimpíadas durante sua reunião virtual de três horas na segunda-feira (15). Políticos democratas e republicanos defendem um boicote diplomático.

Os EUA, é sabido, acusam a China de genocídio contra os uigures, um grupo de minoria muçulmana que vive principalmente na região autônoma de Xinjiang.

Ironicamente, a China respondeu à ameaça de boicote olímpico garantindo que se nega a "misturar esporte e política" e que as acusações dos Estados Unidos em relação aos direitos humanos faltam com a verdade e não têm fundamento. O porta-voz da diplomacia chinesa, Zhao Lijian, acrescentou que politizar o esporte "vai contra o espírito olímpico". Inacreditável, tal citação na atualidade.

Depois do presidente dos Estados Unidos, o primeiro-ministro britânico Boris Johnson também admitiu a hipótese de um boicote às Olimpíadas de Inverno, relacionando-o às violações dos direitos humanos, informou o jornal "Times" no sábado.

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