O caso da tenista chinesa Peng Shuai é emblemático. A atleta, de 35 anos, campeã de duplas em Wimbledon e Roland Garros, desapareceu repentinamente no início de novembro, depois de ter acusado Zhang Gaoli, ex-vice-primeiro-ministro da China, de a ter forçado a uma relação sexual.
Ela também confirmou ter um caso com o político, homem casado, 40 anos mais velho do que ela. A mensagem de Pen Shuai foi retirada do ar. Não houve nenhuma manifestação de Zhang Gaoli e do governo chinês. Inúmeros atletas e países, entre eles Estados Unidos e França, manifestaram preocupação com o destino da tenista.
A ONU pediu, por sua vez, uma prova de que ela estava sã e salva, enquanto a hashtag #WhereisPengShuai (#OndeEstaPengShuai, em português) se espalhou pelas redes sociais.
Depois de quase três semanas de ausência, Peng reapareceu num jantar com amigos no sábado (20) e num torneio de tênis juvenil em Pequim no domingo (21) como mostraram fotos e vídeos publicados por jornalistas da mídia estatal chinesa. As imagens circularam pelo mundo na internet criando um impasse.
O presidente do COI (Comitê Olímpico Internacional), o alemão Thomas Bach, participou de vídeo-conferência de 30 minutos com a tenista. Naquele momento, o cartola estaria acompanhado da presidente da Comissão de Atletas do COI, Emma Terho, e pelo membro do COI na China, Li Lingwei.
Em comunicado, o COI disse que a atleta afirmou que está segura e bem, morando em sua casa em Pequim, mas gostaria que sua privacidade fosse respeitada neste momento.
O informe relatou ainda que Bach estará em Pequim em janeiro e que convidou Peng para jantar quando ele chegar à cidade. E que Peng aceitou de bom grado.
Várias entidades, no entanto, continuaram com dúvidas sobre a pressão que a tenista pode estar sofrendo das autoridades governamentais do seu país por ter denunciado um político poderoso. A China é alvo permanente de denúncias de violações de direitos humanos.
As críticas não poupam o COI, dizendo que a entidade parece querer jogar a sujeira para baixo do tapete. O contato de Bach com a tenista, segundo as versões, teria como pano de fundo acalmar os ânimos em relação aos Jogos Olímpicos do início do ano que vem.
A situação deixa uma sensação semelhante provocada pela Guerra Fria, que teve como protagonistas de um lado a então socialista União Soviética, com apoio dos seus satélites e, do outro, os capitalistas Estados Unidos e aliados.
Aquele confronto causou tensão geopolítica. Despontou pouco depois do fim da Segunda Guerra Mundial, mais precisamente em 1947, e seguiu até a queda do Muro de Berlim, em 1989, e o fim da União Soviética, em 1991.
No esporte, durante aquela polarização mundial, dois fatos relevantes atingiram os dois países, líderes de seus pares na Guerra Fria. Os Estados Unidos comandaram o boicote aos Jogos Olímpicos de Moscou-1980 e receberam o troco nas Olimpíadas de Los Angeles-1984.
Os grandes eventos internacionais, porém, não são alvos fáceis de boicote. Pequenos fatos, ao contrário, às vezes acabam extrapolando fronteiras, transformando-se em enormes polêmicas que viralizam. A simbiose esporte-política é inerente a ambas atividades que andam de mãos dadas para o bem e para o mal nas relações humanas. A mescla é perceptível, mas tem negacionistas, os crentes de que as duas atividades nunca se misturam.
Pela penetração popular e repercussão mundial, o esporte é campo fértil nas relações internacionais entre os países e reúne potencial para tornar explosiva qualquer tipo de informação, relevante ou não. Esta é a hipótese mais provável desse episódio centrado em Peng Shuai, que continua ativa nas quadras.
Assim, situações semelhantes costumam ter variados interesses (ideológicos, políticos, econômicos e outros), que ultrapassam o esporte e exigem muita cautela em qualquer avaliação. A confusão envolvendo a tenista chinesa, não há dúvida, tem cheiro semelhante ao da Guerra Fria.
Sem razão ou com ela, todos os envolvidos apelam para o subjetivo na acusação e na defesa. Nesse episódio, a tenista Peng Shuai ao menos parece estar batendo a sua bolinha, já tendo no currículo o registro fabuloso de vitoriosas jornadas em eventos internacionais.
Durante o desaparecimento de Peng Shuai, líderes políticos de relevo pressionaram a China, utilizando como arma um possível boicote aos Jogos Olímpicos de Inverno, marcados para fevereiro, em Pequim. Embora a motivação fosse outra (violação de direitos humanos), agitou a onda do sumiço da tenista.
O mundo do tênis está apreensivo e não mostra confiança nas informações. Uma delas disse que o canal estatal CGTN divulgou uma captura de tela no Twitter de um e-mail atribuído a Peng e supostamente destinado a Steve Simon, diretor da WTA, e outros executivos da associação de tênis feminino.
Nela, Peng afirmava que as acusações de abusos sexuais "não eram verdadeiras". O assunto não teve outros esclarecimentos. A WTA exigiu uma investigação "transparente e justa" das acusações feitas pela atleta. Paralelamente, Steve Simon, destacou na rede CNN a possibilidade de retirar as competições de tênis da China.
O presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, surpreendeu ao afirmar na semana passada que estava considerando um boicote diplomático aos Jogos na China. Nenhum representante do governo norte-americano compareceria às cerimônias olímpicas, mas nada foi decidido até o momento. Chegou a convidar o Canadá para acompanhá-lo.
Dias antes, Biden teve suas primeiras conversas diretas com o líder chinês Xi Jinping. Na Casa Branca, a porta-voz de Biden, Jen Psaki, disse que os líderes dos EUA e da China não discutiram as Olimpíadas durante sua reunião virtual de três horas na segunda-feira (15). Políticos democratas e republicanos defendem um boicote diplomático.
Os EUA, é sabido, acusam a China de genocídio contra os uigures, um grupo de minoria muçulmana que vive principalmente na região autônoma de Xinjiang.
Ironicamente, a China respondeu à ameaça de boicote olímpico garantindo que se nega a "misturar esporte e política" e que as acusações dos Estados Unidos em relação aos direitos humanos faltam com a verdade e não têm fundamento. O porta-voz da diplomacia chinesa, Zhao Lijian, acrescentou que politizar o esporte "vai contra o espírito olímpico". Inacreditável, tal citação na atualidade.
Depois do presidente dos Estados Unidos, o primeiro-ministro britânico Boris Johnson também admitiu a hipótese de um boicote às Olimpíadas de Inverno, relacionando-o às violações dos direitos humanos, informou o jornal "Times" no sábado.
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