Eduardo Sacheri

Escritor argentino apaixonado por futebol e autor do livro 'O Segredo de Seus Olhos'

Salvar artigos

Recurso exclusivo para assinantes

assine ou faça login

Eduardo Sacheri
Descrição de chapéu Copa do Mundo

Argentina: um réquiem a mais

Nossos sonhos de grandeza esbarraram na realidade brutal

Buenos Aires

O torcedor de futebol argentino está vivendo seu pior pesadelo: há uma Copa do Mundo em disputa, e não estamos nela. Nossos sonhos de grandeza esbarraram na realidade brutal. Não éramos tão bons quanto nos agrada pensar. Nosso nível é medíocre: bastou para nos levar à Rússia, mas não conseguimos permanecer lá por mais de duas semanas.

A Argentina pode agora se dedicar ao seu segundo esporte favorito, abaixo do futebol: a polêmica facciosa, o fogo cruzado de acusações recíprocas, a peroração solene, a aniquilação de qualquer possibilidade de acordo e o agigantamento midiático dessas discussões estéreis. O conflito mais rutilante de todos tem o treinador Jorge Sampaoli no olho da tormenta. E constitui, em si, uma parábola perfeita sobre o futebol argentino.

 

Sampaoli tinha de mudar o sistema de jogo da seleção, impondo sua predileção pela pressão no campo adversário, pela verticalidade e pela vertigem, ainda que a coluna vertebral da equipe fosse formada por jogadores maduros, com desempenho físico em queda.

O treinador tinha de respeitar essas glórias e ao mesmo tempo de pensar em substitui-las. Tinha de cercar Messi de seus melhores parceiros, ainda que jamais estivesse claro se esses parceiros seriam seus velhos amigos ou novos desconhecidos. Tinha de enfrentar uma mídia frenética, disposta a reprová-lo por suas mudanças e continuidades, por seus riscos e seu conservadorismo.

O que poderia sair errado, em um jogo de contradições como esse? Tudo, com certeza. A Argentina preparou sua tempestade perfeita e ficou sentada imaginando que, sem causas aparentes, poderia surgir o dia luminoso e cálido em que voltaríamos a ser campeões do mundo. Em quatro partidas, ele tentou quatro sistemas táticos e quatro formações diferentes. E voltou para casa de mãos --e alma-- vazias.

O que não está vazia é a cadeira do treinador. Sampaoli pretende continuar. E a Associação do Futebol Argentino (AFA) deseja que ele se vá. Como um segredo que todos conhecem e, pior, como se fosse normal, todo mundo sabe que a AFA se dedicará nos próximos dias a pressionar Sampaoli para que ele abandone o cargo sem receber o valor pleno do contrato. Mas há uma notícia pior: o futebol argentino não está disposto a reconhecer o profundo pântano ético no qual dá suas braçadas melancólicas e desesperadas.

Tradução de Paulo Migliacci

Tópicos relacionados

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.