Elio Gaspari

Jornalista, autor de cinco volumes sobre a história do regime militar, entre eles "A Ditadura Encurralada".

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Elio Gaspari
Descrição de chapéu Otavio Frias Filho

Otavio Frias Filho

Um intelectual introspectivo e curioso deu à imprensa a pluralidade que se tornou um padrão no ofício

Otavio Frias Filho pretendia escrever uma biografia de Carlos Lacerda, o demolidor de presidentes do século passado, e quis percorrer o Rio de Janeiro do personagem. Começou pelo Palácio Laranjeiras, onde viveram alguns governantes.

Desceu do táxi diante do portão, disse ao PM que era jornalista e queria apenas andar pela propriedade. O soldado pediu-lhe um documento de identificação, a popular "gazua" ou "babilaque". Ele não o tinha. Não podia entrar.

Otavio Frias Filho sentado; ao fundo, mural colorido
Otavio Frias Filho na Flip em 2014 - Raquel Cunha/Folhapress

Sem dizer uma palavra, o dono do maior jornal do país desceu a pé a colina do parque Guinle. Não lhe passava pela cabeça dizer quem era.

Nas horas seguintes Otavio caminhou pela calçada da rua Tonelero, onde os capangas do presidente Getúlio Vargas tentaram matar o jornalista que corroía seu governo.

Diante do sobrado da rua do Lavradio onde funcionavam a gráfica e a redação da Tribuna da Imprensa, impressionou-se com aquele prédio tão pequeno, capaz de fazer tanto barulho servindo de trombone a Lacerda.

Foi-se esse homem introspectivo, cético e curioso. Entre a Tribuna da Imprensa, símbolo de um jornalismo agressivo, unilateral, e a Folha de S.Paulo deu-se uma saudável transição, na qual ele foi um fator decisivo.

Veio de Otavio Frias Filho a obsessiva busca pela voz do "outro lado". Seja qual for a notícia, se ela contiver alguma controvérsia, o outro lado devia ser ouvido. Essa norma disseminou-se e vigora hoje em quase todas as redações.

Otavio não tinha a expansividade do pai, mas seu temperamento retraído numa imprensa povoada por pavões que ele chamou de "barões" ecoava uma experiência do "seu" Frias: "Eu já vi gente atravessar a rua para me cumprimentar e também atravessar a rua para não me cumprimentar".

O filho mantinha-se impassível quando alguém negava-lhe o cumprimento por causa de alguma coisa que a Folha publicava. Se do outro lado vinha um elogio, respondia "ganhei meu dia", mas isso era raro.

Não falava bem de si, mas sua atenção despertava-se quando alguém lhe contava algo inesperado. Talvez esse interesse pelo improvável o tenha levado a pular de paraquedas, apenas pela experiência, pois seu negócio era ler, longe dos esportes.

O ceticismo de Otavio Frias Filho em relação à política era inversamente proporcional à sua curiosidade cultural. Poucas redações brasileiras foram dirigidas por alguém com sua formação intelectual. Mesmo assim, preferia ouvir e perguntar. (Outra herança paterna.)

Se Frias não tivesse comprado a Folha de S.Paulo em 1962, seu filho dificilmente teria sido jornalista. Talvez dramaturgo, ensaísta.

Uma vez na Redação, Otavio esteve no epicentro de uma das maiores decisões editoriais da história da imprensa brasileira: a campanha da Folha em defesa da aprovação da emenda constitucional que poderia restabelecer as eleições diretas para a Presidência da República.

Ali não houve outro lado. O jornal jogou-se numa verdadeira campanha, publicando o calendário dos comícios, como se fosse um programa de eventos culturais. Ia além, com curtas declarações de personalidades. Num dia, o cardeal d. Paulo Evaristo Arns e o sociólogo Gilberto Freyre. Mais adiante, o palhaço Arrelia, Papai Noel e Pelé.

Quando se perguntava a Otavio Frias Filho como surgiu essa decisão, listava alguns jornalistas e mencionava a arbitragem de seu pai. Não falava de seu papel. Esse foi ele, introspectivo, cético e curioso.

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