Elio Gaspari

Jornalista, autor de cinco volumes sobre a história do regime militar, entre eles "A Ditadura Encurralada".

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O autoengano de Moro e Deltan

Ministro acredita (ou faz que acredita) que a forma apaga o conteúdo

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Uma semana depois da divulgação das conversas do juiz Sergio Moro com o procurador Deltan Dallagnol pelo site The Intercept Brasil, consolidou-se a linha de defesa do governo segundo a qual o que houve ali foi um crime.

Trata-se de uma magnífico exercício de autoengano. Foi praticado um crime na forma, mas a essência do episódio está no seu conteúdo. A divulgação dos Pentagon Papers, em 1971, decorria de um indiscutível crime contra a segurança nacional dos Estados Unidos, pois os documentos que contavam a ação americana no Vietnã eram secretos e foram roubados. A Suprema Corte dos Estados Unidos derrubou a tentativa do governo de proibir a sua divulgação.

Governantes inventam (e fingem que acreditam) coisas incríveis. O governo petista e seu comissariado desqualificavam o conteúdo das colaborações de alguns de seus companheiros e cúmplices com a Lava Jato de Sergio Moro denunciando a forma como os procuradores obtinham as confissões (encarcerando os suspeitos). Em junho de 2015 a presidente Dilma Rousseff disse: “Não respeito delator”.

O autoengano petista custou o mandato a Dilma e a liberdade a Lula, bem como aos ex-ministros José Dirceu e Antonio Palocci.

Um ano depois da fala de Dilma, Sergio Moro lembrou a Deltan Dallagnol que a Lava Jato estava há “muito tempo sem operação”.

(Dias depois foi para a rua a Operação Arquivo X.) Na mesma conversa, o juiz ofereceu ao procurador o nome de uma “fonte séria” que “estaria disposta a prestar a informação”. (Não devia ser séria porque oferecia informações que não se materializaram sobre o filho de Lula. Além disso, não topou falar.) À época não se sabia que o juiz Moro e o procurador Dallagnol tinham tamanha fraternidade. Sabe-se agora, graças ao The Intercept Brasil.

Em 2015 autoenganavam-se empreiteiros e petistas. Hoje, quem acredita (ou faz que acredita) que a forma apaga o conteúdo é o ministro Moro.

Em novembro de 1971 a filósofa Hannah Arendt publicou um artigo intitulado “Mentindo na Política: Reflexões sobre os Papéis do Pentágono” e nele cuidou do mecanismo do autoengano. Ela disse o seguinte:

“O autoengano pressupõe que a distinção entre a verdade e a falsidade, entre o realidade e a fantasia, desaparece numa cabeça que se desligou dos fatos. No campo político, onde o segredo e a dissimulação sempre desempenharam um importante papel, o autoengano é o perigo por excelência: o enganador autoenganado perde todos os contatos, não só com seu público, mas com o mundo real”.

Harvard estuda o andar de baixo

Na hora em que o Brasil notabiliza-se abrindo hospitais de luxo para abonados no Rio e em São Paulo, a professora Márcia Castro tornou-se a primeira mulher brasileira a ocupar uma cátedra na Universidade Harvard. A notícia é de dezembro, mas as coisas boas tendem a passar despercebidas. Castro é demógrafa, formada pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), com mestrado na Federal de Minas Gerais e doutorado em Princeton.

Ela conquistou sua cadeira na Escola de Saúde Pública, no andar de cima da academia, estudando coisas do andar de baixo da saúde, como a Amazônia, malária, dengue e zika.

Ironia da História. A Escola de Saúde Pública de Harvard já teve outro professor formado no Brasil. Chamava-se Dieter Koch-Weser e era filho de um ministro alemão da República de Weimar que veio para Pindorama com um grupo de amigos que criou uma comunidade em Rolândia, nas matas do Paraná. Mais tarde ele foi para os Estados Unidos, sempre pesquisando a saúde do andar de baixo. Morreu em 2015, aos 99 anos. Seu irmão, Caio, veio a ser presidente de Deutsche Bank.

Os deuses da saúde estão mandando sinais para o Brasil: quem estuda a saúde do andar de baixo acaba sendo reconhecido em Harvard, a universidade mais rica do mundo. Por cá, a Capes corta bolsas enquanto os números do sarampo, tuberculose e meningite acendem sinais de alerta.

Balcão da lanchonete

Frase colhida num balcão de lanchonete:

“Quando ele gravava, podia. Agora que grampearam ele, é crime”.

Austeridade

O filho de um alto morubixaba de Brasília resolveu viajar para o Rio. Seu pai, avarento e austero, disse-lhe que fosse de ônibus.

Ele foi, seguido pelo carro dos seguranças.

Palpite

O general Santos Cruz tinha na bandeja o caminho diplomático de sair do governo pedindo demissão.

Seria um gesto teatral. Ele teria preferido que Bolsonaro o demitisse.

Pesadelo

Um velho advogado viu o ministro Sergio Moro numa cerimônia militar dando continência para a tropa e, no dia seguinte, vestindo uma camisa do Flamengo na tribuna de honra de um estádio.

Lembrou-se que Moro está na cadeira onde sentaram-se Tancredo Neves, Francisco Campos, Rui Barbosa, o Marquês de Paraná e Bernardo Pereira de Vasconcelos.

Achou que teve um pesadelo.

Ordem no palácio

Alguém precisa avisar ao presidente Bolsonaro que não deve receber quadros do segundo escalão do governo sem o conhecimento dos ministros a quem eles são subordinados.

Às vezes isso é feito em nome de velhas amizades, mas o amigo pensa que está com a bola cheia e acaba segurando fio desencapado.

Bolo sem cereja

A saída do regime de capitalização do projeto de reforma da Previdência tirou a cereja do bolo que a banca ajudou a assar.

Ela continuará apoiando a reforma, mas chorará em segredo. Até mesmo porque é duvidoso que a mutilação tenha sido uma boa ideia.

Recordar é viver

Nos 30 anos da repressão aos estudantes que estavam na praça da Paz Celestial, os organizadores das manifestações de Hong Kong deverão calibrar a radicalização de suas palavras de ordem.

Hoje sabe-se que Deng Xiaoping decidiu acabar com o acampamento e reorientar o governo em abril. Os estudantes acharam que tinham pista livre e radicalizaram. Em maio Deng chamou a tropa e deu sinais de que derrubaria. Em junho baixou o chanfalho.

Na política chinesa, três meses equivalem a uma fração de segundos em outras terras.

Conta da Petrobras

Vem aí uma conta pesada para a Petrobras. Assim como fizeram, com sucesso, os investidores americanos, alguns fundos brasileiros prejudicados pelas malfeitorias ocorridas na Petrobras, querem ser indenizados.

Por enquanto, a conta (parcial) está em R$ 58 bilhões.

A burocracia da empresa e a União empurram o caso com a barriga e hoje há uma disputa para se saber se o processo deve ser submetido à Câmara de Arbitragem ou mandado para a Justiça. O caso está no Superior Tribunal de Justiça (STJ), onde a relatora Nancy Andrighi já se decidiu pela arbitragem. Se essa tese prosperar a sentença pode sair ainda neste ano.

Riu por último

Durante cinco anos o ministro Gilmar Mendes apanhou que nem boi ladrão porque criticava os procedimentos jurídicos da Lava Jato.

Agora ele começou a rir e a falar. Não para de rir nem de falar.

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