No dia 19 de janeiro de 2018, o advogado Alberto Toron, defensor de Aldemir Bendine, encaminhou ao juiz Sergio Moro um pedido para que seu cliente apresentasse seus argumentos finais depois de conhecer os memoriais de Marcelo Odebrecht e de outros colaboradores que o acusavam de receber propinas.
Toron argumentava que eles eram réus, mas haviam se transformado em acusadores, em situação que "se assemelha ao papel de um assistente do Ministério Público".
Quatro dias depois, Moro negou o pedido. Pouco custava aceitá-lo. Sua decisão foi ratificada em duas instâncias superiores, até que na semana passada, por 3 votos contra 1, a Segunda Turma do STF anulou a sentença de Moro que condenou Bendine a 11 anos de prisão, por ter cerceado sua defesa. Talvez o resultado fosse 4 a 1, se o ministro Celso de Mello estivesse na sessão.
Vale a pena voltar no tempo. Na véspera do pedido de Toron, dois procuradores da Lava Jato discutiam o projeto de colaboração do ex-ministro Antonio Palocci e achavam que ele estava enrolando. Um deles cravou: "Pensamos numa entrevista com o candidato, colocando de modo claro que ou ele melhora, ou vai cumprir pena".
Moro rebarbou o pedido de Toron no dia 23. Dois dias depois, os procuradores da Lava Jato romperam as negociações com Palocci, que começou a negociar uma colaboração com a Polícia Federal.
Uma coisa nada teve a ver com a outra, mas ambas tiveram a ver com o faço-porque-posso. Moro achou que podia, assim como Palocci achou que podia oferecer sua colaboração à Polícia Federal. Conseguiu, e em abril fechou seu acordo com a PF. Daí em diante, num ano eleitoral, as revelações de Palocci começaram a vazar.
Os dois faço-porque-posso encontraram-se no dia 1º de outubro, seis dias antes da realização do primeiro turno da eleição presidencial, quando Sergio Moro divulgou o teor de um anexo da confissão de Palocci à PF. Como logo disse uma procuradora, "o acordo é um lixo", mas teve eficácia eleitoral. Moro fez porque podia.
Semanas depois Jair Bolsonaro foi eleito e Moro aceitou o convite para o Ministério da Justiça. (Segundo o vice-presidente Hamilton Mourão, o primeiro "contato" da equipe de Bolsonaro com Moro ocorreu antes do segundo turno.)
Achavam, mas não podiam.
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