O jornalista Ivan Lessa dizia que “a cada 15 anos, o Brasil esquece os últimos 15”. Em 2004, há exatos 15 anos, a prefeita de São Paulo, Marta Suplicy, instituiu o Bilhete Único no transporte público do ônibus na cidade. Seria uma pena se o Rio de Janeiro esquecesse o que lhe aconteceu.
Em 2004, a cidade era governada por Cesar Maia e o Estado, por Rosinha Garotinho. O Bilhete Único foi recebido com ceticismo, sobretudo porque implicava num subsídio. Nova York, Paris e Londres subsidiavam seus transportes públicos, mas subsídio era coisa de pobre. Em São Paulo, um transporteca que estivera nas administrações tucanas explicou: “Quanto mais o programa der certo, maior será a arapuca financeira que a prefeitura terá de enfrentar.”
Saiu Dona Rosinha e entrou Sérgio Cabral, que se intitulava “um gestor”. No lugar de Cesar Maia, ficou Eduardo Paes, outro campeão da modernidade, inimigo dos subsídios.
O Bilhete Único só entrou em vigor no Rio em 2010, seis anos depois de sua implantação em São Paulo. Quem seguisse a discussão com o olhar dos prefeitos e governadores poderia acreditar que a questão girava em torno dos subsídios.
Felizmente o Ministério Público varejou as contas do cartel das empresas de ônibus do Rio e da sua central de propinas, Fetranspor. A discussão da modernidade era fingimento. O negócio dos doutores era o dinheiro das companhias de ônibus, que não queriam o bilhete. Lélis Teixeira, poderoso presidente da Fetranspor, contou como o cartel azeitava çábios do Executivo, Legislativo e Judiciário do Rio para garantir tarifas e incentivos fiscais que beneficiavam as empresas. O ex-governador Anthony Garotinho, patrono e marido de Rosinha, bem como seus sucessores Sérgio Cabral e Luiz Fernando Pezão, estavam no esquema. Dois estão na cadeia e o casal passou por ela.
No governo de Cabral, quem negociava a instituição do Bilhete Único era o “capo” José Carlos Lavouras, que está foragido em Portugal. Num de seus pacotes, as propinas ficaram em R$ 19 milhões. Segundo Teixeira, a Fetranspor financiou duas campanhas de Eduardo Paes, mas não soube dizer quanto custou o mimo.
O Bilhete Único não demorou seis anos para chegar ao Rio porque a discussão dos subsídios para o transporte público exigia estudos sérios. Ele demorou para chegar porque o cartel dos ônibus havia privatizado a administração da cidade. O atraso da corrupção sabe se fantasiar de modernidade liberal e privatista.
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