No final do século passado, Paul Volcker estava num coquetel na universidade de Princeton, uma daquelas confraternizações nas quais os americanos tomam vinho branco em copos de plástico. Um curioso aproximou-se da sua imponente figura (2,01 metros) e, no meio da conversa, arriscou:
“O seu livro publicado em parceria com o ex-presidente do Banco do Japão deixa a impressão de que, em 1982, o senhor quebrou o Terceiro Mundo para salvar os bancos americanos”.
Volcker assumiu o Federal Reserve Bank em 1979, com a inflação americana acima de dois dígitos. Como presidente do banco central mais poderoso do mundo, paulatinamente jogou os juros para cima e eles chegaram a 21% ao ano.
Com isso, num cenário de alta do petróleo e baixa de outras matérias-primas, as dívidas dos países do Terceiro Mundo atreladas às taxas americanas explodiram.
Em 1982 o México não conseguiu pagar suas contas. Meses depois, foi a vez do Brasil e em alguns meses, só na América Latina, 16 países estavam quebrados. Deu-se a esse período o nome de “Crise da Dívida do Terceiro Mundo”.
Volcker respondeu ao curioso: “Esse era o meu serviço” (“That was my job”), e a conversa migrou para amenidades.
Em 1982 não houve a tal “Crise da Dívida do Terceiro Mundo”, houve uma crise da banca internacional que emprestou dinheiro a quem não devia, mas os credores, com a ajuda dos governos caloteiros e do Fundo Monetário Internacional, inverteram o jogo. (Em 2007, quando a banca atolou-se, ninguém disse que havia uma crise dos devedores americanos inadimplentes.)
Anos depois, William Rhodes, chefe do cartel dos bancos, condecorado pelo governo brasileiro com a Ordem do Cruzeiro do Sul, escreveria: “A crise da dívida latino-americana não foi apenas uma punição a excessos de endividamento. Foi também uma crise bancária”.
Volcker salvou a banca porque os servidores públicos americanos defendem os interesses de seu país. Ele era um economista do Federal Reserve de Nova York e aceitou a presidência do banco central sabendo que perderia metade do salário. Mudou-se para uma quitinete de estudante em Washington e sua mulher alugou um dos quartos de seu apartamento em Manhattan.
Fumava charutos baratos, comia congelados de mercearias e certa vez o presidente Jimmy Carter mandou-lhe um recado: ou comprava um terno novo, ou não o receberia na Casa Branca. (Há uns 20 anos, o milionário presidente da Goldman Sachs chegou em casa com um sobretudo novo, de uma loja caríssima. A mulher mandou que o devolvesse, pois já tinha abrigo para o inverno.)
Volcker tinha dois caminhos: quebrava os endividados do Terceiro Mundo ou quebrava os grandes bancos americanos. Seu serviço como presidente do Fed era defender o sistema financeiro dos Estados Unidos. Pouco importava se o presidente da estatal petrolífera da Indonésia havia fechado um empréstimo de US$ 25 milhões assinando numa caixa de fósforos de boate.
A grande proeza dele, da banca e do FMI foi conseguirem que todos os governos devedores contassem aos seus povos que a crise era deles.
Depois de sair do Fed, Volcker foi para a banca privada e contava que lá, num só dia, ganhou mais dinheiro do que em 30 anos de serviço público. Ele morreu na última segunda-feira (9).
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