Elio Gaspari

Jornalista, autor de cinco volumes sobre a história do regime militar, entre eles "A Ditadura Encurralada".

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A turma em Brasília a fim de arrumar briga pode estar perdendo tempo

Um governo pode viver das intrigas que inventa, mas elas não o livram de encarar os problemas reais

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A incontinência da retórica política dos Bolsonaros, do general da reserva Augusto Heleno e até mesmo do ministro Paulo Guedes indica que eles cultivam um conflito institucional. Pelos seus sonhos, com o Congresso, mas à falta dele, qualquer coisa serve. Com 12 milhões de desempregados, pibinho, filas nas agências do INSS, motins de PMs e encrencas com milicianos, busca-se uma briga. 

Há um ano, tudo parecia fácil. De um lado estaria um presidente cacifado por 58 milhões de votos, e do outro um Congresso de crista baixa. Em 13 meses, Jair Bolsonaro conseguiu um prodígio de desarticulação política, implodiu seu partido, não criou outro e demitiu colaboradores imediatos, entre os quais seis generais da reserva. Trocou um ministro da Educação delirante por outro, desastroso. Defenestrou o presidente do BNDES, o secretário da Receita e dois presidentes do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação. 

No endinheirado FNDE, ainda falta saber quem preparou um edital para a compra de 1,3 milhão de computadores, notebooks e laptops ao custo de R$ 3 bilhões. A CGU apontou o vício do certame e ele foi revogado, mas jabuti não sobe em árvore. Como disse o presidente há poucos dias, “nossa luta contra a corrupção continuará sendo forte, fazendo o possível pelo Brasil melhor”. Faça-se.

Um governo pode viver das brigas que inventa (basta olhar para Donald Trump), mas elas não o livram de encarar os problemas cotidianos da administração. Nesse departamento, Bolsonaro vai devagar, quase parando.

A turma que está em Brasília a fim de arrumar uma briga pode estar perdendo seu tempo. Dois governos armaram cenários que desembocavam em golpes e foram bem-sucedidos. O de Costa e Silva, em 1968, e o de Getúlio Vargas, em 1937. Ambos tinham conjunturas internacionais radicalizadas. Vargas enfrentara uma insurreição militar em 1935. Costa e Silva estava diante de um surto terrorista e deixou-se boiar numa provocação palaciana que criou o conflito com o Congresso.

A Bolsonaro e aos seus cavaleiros do Apocalipse ainda faltam todos esses ingredientes. As ruas estão em paz e, hoje, em festa. Quarta-feira abre-se a quitanda e continuarão lá os PMs dispostos a se amotinar, bem como os milicianos.

Os golpes bem-sucedidos são sempre lembrados, mas se aprende também com aqueles que fracassam. Em 1984, quando Tancredo Neves estava virtualmente eleito (indiretamente) para a Presidência, armou-se no invencível Centro de Informações do Exército uma provocação venenosa. Pediram-se soldados ao Comando Militar do Planalto para colar em paredes de Brasília cartazes vermelhos, com a foice e o martelo, a sigla PCB, uma figura de Tancredo e o slogan “Chegaremos Lá”. Ia tudo muito bem até que a polícia prendeu os soldados e o carro do CIE que lhes daria cobertura escafedeu-se. 

Exposta a provocação, fez-se silêncio, até que na reunião do Alto Comando do Exército o general que comandava a tropa do Rio perguntou o que tinha sido aquilo. “Gente do meu gabinete não foi”, respondeu o ministro. O general Newton Cruz, comandante do Planalto, estava na reunião e viria a contar: “Senti um frio na espinha. O CIE era um anexo do gabinete dele. Se não tinham sido eles, tinha sido eu”.

Não tinha, mas acabou sendo. A tropa era dele, porém a operação era do CIE. Nas semanas seguintes, fritaram Newton Cruz, negando-lhe a promoção, e ele passou para a reserva, transformado em bode expiatório de todas as bruxarias.


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