Elio Gaspari

Jornalista, autor de cinco volumes sobre a história do regime militar, entre eles "A Ditadura Encurralada".

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Fala de Gilmar Mendes pode ser usada para alimentar uma crise

Crises fazem parte da vida, golpes precisam de golpistas

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Em abril do ano passado, quando era ostensiva a participação de militares na administração civil de Jair Bolsonaro, o vice-presidente Hamilton Mourão disse o seguinte: “Se nosso governo falhar, errar demais, não entregar o que está prometendo, essa conta irá para as Forças Armadas, daí a nossa extrema preocupação”.

Entregar o que prometia, o capitão sabe que não entregará. A pandemia e suas superstições confirmaram sua previsão de março: “Se acabar a economia, acaba qualquer governo. Acaba o meu governo”.

Mourão acredita que o ministro Gilmar Mendes “forçou a barra” quando disse que, com a conduta do governo diante da pandemia “o Exército está se associando a esse genocídio”. Gilmar tem uma queda pelo exagero. Se tivesse dito que o Exército está sendo associado a uma ruína, o vice-presidente não poderia se queixar, pois estaria seguindo o raciocínio que ele enunciou há um ano.

O Ministério da Saúde não tem titular. O general Eduardo Pazuello é um interino e na sua equipe há 24 militares. Com suas certezas epidemiológicas, Bolsonaro jogou-os na fogueira. Nelson Teich, paisano, foi-se embora.

Pinçado, o trecho da fala de Gilmar foi repelido pelo ministro da Defesa e pelos comandantes da Marinha, do Exército e da Força Aérea: “Trata-se de uma acusação grave, além de infundada, irresponsável e sobretudo leviana”.

Se o caso ficasse nisso, seriam salvas trocadas, mas o Ministério da Defesa informa que representará contra Gilmar Mendes junto à Procuradoria-Geral da República.

Foi assim que nasceu o Ato Institucional nº 5.

Uma conspiração palaciana manipulou um discurso (irrelevante) do deputado Márcio Moreira Alves para que o governo pedisse licença à Câmara para processá-lo. No dia 12 de dezembro de 1968 o plenário negou o pedido e no dia seguinte o marechal Costa e Silva baixou o ato. Foram dez anos de ditadura escancarada, torturas e extermínio. No Ministério da Justiça estava um tatarana. A cabeça militar dessa urdidura foi a de um general miúdo, conspirador incorrigível. Jayme Portella de Mello foi para escanteio anos depois, sem ter conseguido a quarta estrela.

Como a manobra de 1968 deu certo, ela foi reciclada sete anos depois.

Num discurso, o senador Leite Chaves protestou pelo assassinato do jornalista Vladimir Herzog: “Hitler, quando desejava praticar atos tão ignominiosos como os que estamos presenciando, não se utilizava do Exército, mas sim das forças da SS.”

O ministro Sylvio Frota foi ao presidente Ernesto Geisel e, supondo falar em nome do Alto Comando, exigiu a cassação do senador. (O AI-5 estava em vigor.)

Quando Frota entrou no gabinete de Geisel, esta foi a cena, nas suas palavras: “Merda! Merda! Vocês querem criar um problema! Eu não quero ser ditador! A ser ditador, que seja um de vocês!”.

Frota miou, propôs uma representação contra Leite Chaves e nem isso conseguiu.

Com a ajuda do senador Petrônio Portella, um marquês do Império a serviço da República, capaz de tirar a meia sem tocar no sapato, o episódio foi diluído.

As duas semanas de recesso do Judiciário permitem que se jogue água nas cabeças quentes. Mesmo assim, a fala de Gilmar pode ser usada para alimentar uma crise. Para isso os golpistas precisam
dizer que o que eles querem é uma ditadura.

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