Elio Gaspari

Jornalista, autor de cinco volumes sobre a história do regime militar, entre eles "A Ditadura Encurralada".

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Descrição de chapéu STF

Quando o Supremo sai de seu quadrado, vira bancada, como a do boi ou a da bala

Brasil não precisa que a corte entre numa guerra da vacina

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Com mais de 150 mil mortos, depois de três ministros da Saúde, da cloroquina, da gripezinha e de outras tolices do curandeirismo político, o Brasil não precisa que o Supremo Tribunal Federal entre numa guerra da vacina.

Países andam para trás. Passado mais de um século da Revolta da Vacina, o Brasil regrediu. Em 1904 o presidente Rodrigues Alves foi um campeão do progresso, inflexível na manutenção da ordem. Ao seu lado estava o médico Oswaldo Cruz, enfrentando políticos, jornalistas e militares mais interessados num golpe de Estado do que na saúde pública.

O presidente Jair Bolsonaro decidiu fazer da pandemia um instrumento de sua propaganda. Salvo poucos parlamentares excêntricos, alguns dos quais partiram para outra melhor, o Congresso manteve-se longe dos debates pueris. Pelo andar da carruagem, Bolsonaro está chamando o Supremo Tribunal Federal para a rinha: "Entendo que isso [não] é uma questão de Justiça, é uma questão de saúde acima de tudo. Não pode um juiz decidir se você vai ou não tomar a vacina. Isso não existe. Nós queremos é buscar a solução para o caso".

O capitão tem direito às suas opiniões, mas o fato é que as atribuições do Judiciário estão definidas na Constituição e compete ao Supremo Tribunal Federal interpretá-la. Bolsonaro tem uma relação agreste com a corte e em maio passado ouviu-se o seu brado de "vou intervir". Viu que não tinha mandato nem cacife para isso.

Pode-se discutir se o presidente Luiz Fux fez bem ao dizer que a obrigatoriedade da vacina acabaria chegando ao seu tribunal. O Supremo não está aí para avisar que vai decidir um litígio. Ele simplesmente decide.

A corte não é um assembleia para debate político nem uma consultoria (apesar de alguns de seus ministros gostarem do papel de consultores). É uma corte onde os 11 ministros votam.

O quadrado constitucional do Supremo é específico. Seu poder emana de sua independência e essa independência emana do distanciamento. Quando sai do quadrado, vira bancada, como a do boi ou a da bala. Os 11 ministros podem decidir, à luz do direito, se uma vacina pode ser ou não obrigatória. Numa dimensão, quem não se vacina pode contrair febre amarela, sarampo ou Covid. Noutra, socialmente relevante, pode propagá-la. Onde acaba o direito de não se vacinar e começa a prerrogativa de contagiar?
A criação de um fla-flu com Bolsonaro de um lado e o Judiciário de outro pode atender aos interesses do capitão, mas é uma inconveniência constitucional.

Quando o Supremo decidiu que os governadores tinham autoridade para criar regras de isolamento social, ajudou a salvar milhares de vidas.

Vale lembrar que, à época, um dos paladinos da liberdade era o ministro médico Osmar Terra. Ele achava que a pandemia mataria menos gente que a gripe sazonal.

Tudo indica que a obrigatoriedade da vacinação irá ao plenário do Supremo. Os ministros deverão decidir e argumentar com base no direito e na Constituição. Quanto menos bate-bocas fora do quadrado, melhor para todo mundo. Um dia a corte se reúne, cada ministro vota, a televisão mostra, e o caso está decidido.
Se Bolsonaro quiser criar uma crise, deverá buscá-la em outro lugar. Com ministros sem modos que insultam colegas, não lhe será difícil.

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