Elio Gaspari

Jornalista, autor de cinco volumes sobre a história do regime militar, entre eles "A Ditadura Encurralada".

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Coronéis querem PMs que falam em leis e bom senso ou que esmurram uma mulher algemada?

Violência policial continua no cotidiano das periferias, delegacias e quartéis

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A cena, gravada em setembro num quartel da Polícia Militar de Mato Grosso do Sul, está na rede. O segundo tenente André Luiz Leonel Andrea derruba e espanca uma mulher algemada (pelo menos
sete socos e dois chutes).

Outro PM segura a senhora enquanto ela é esmurrada, até que uma policial militar contém o oficial. O comando da corporação diz que só soube do episódio semanas depois e tirou o tenente do comando do pelotão da cidade de Bodoquena. Quanto à senhora, explicou o comando, era uma desordeira, estava bêbada e desacatou os policiais. Era por isso que estava detida e algemada. Admitindo-se que essa versão é verdadeira, só faltava que apanhasse porque foi comprar cloroquina.

O segundo tenente André Luiz Leonel Andrea agride mulher algemada em batalhão da Polícia Militar de Mato Grosso do Sul - Reprodução

Também está na rede outro vídeo, de março. Nele, o tenente Andrea explica à população de Bodoquena as regras do toque de recolher imposto pela pandemia. É outro homem. Fala pelo menos 15 vezes em leis ou decretos, cita a Constituição e em 13 ocasiões pede bom senso a todos. Vendo-o sente-se uma ponta de orgulho pelo agente da lei.

A Polícia Militar não tem generais, mas há muitos deles na cúpula de um governo que estimula a violência do Estado num país de maricas.

A eles e aos coronéis das polícias militares cabe cuidar da ordem dentro de suas corporações. Qual tenente Andrea querem formar? O que fala em leis e bom senso ou o que esmurra uma mulher algemada?

Na tarde de 31 de março de 1964 o tenente Freddie Perdigão Pereira tinha 28 anos e comandava os tanques mandados para os portões do Palácio Laranjeiras para proteger o governo do presidente João Goulart.

Tornou-se um torturador do DOI e esteve nas cenas da prisão do deputado Rubens Paiva, em 1971, e do atentado do Riocentro, dez anos depois.

Perdigão era um tipo alterado, mas virou o que virou pela tolerância e pelo estímulo dos comandantes militares da ocasião.

Passou o tempo, mudou o regime e todo o entulho dos crimes praticados pela ditadura foi para a biografia de tenentes, capitães e majores. Fritaram a gaveta de baixo. Quando muito, disseram que os ampararam “sub-repticiamente”.

A violência policial já foi terceirizada com milícias particulares de empresas cujos diretores circulam em Davos dando aulas ao mundo.

Na estrutura da segurança pública ela continua no cotidiano das periferias das cidades ou em salas de delegacias e de quartéis como o de Bodoquena. Há anos ela se manifesta também nos motins de policiais militares que recebem o beneplácito de hierarcas e são invariavelmente perdoados por anistias votadas pelo Congresso ou pelas Assembleias Legislativas.

Será difícil convencer um jovem tenente a respeitar um preso se os seus superiores levam semanas para examinar um vídeo gravado no quartel e protegem-no dentro do limite do possível.

Faz tempo, um oficial que fez fama num DOI caiu num comando do general Antonio Carlos de Andrada Serpa e ele lhe disse que aquela função poderia trazer problemas para sua carreira.

Em 2014, o oficial relembrou: “Eu respondi que fiz tudo direito, só recebi elogios e fui condecorado, portanto o Exército cuidaria de mim. Ele me disse: ‘Deus queira que você tenha razão.’ Hoje eu me dei conta de que ele sabia do que falava”.

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