Elio Gaspari

Jornalista, autor de cinco volumes sobre a história do regime militar, entre eles "A Ditadura Encurralada".

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Descrição de chapéu clima

Na questão da Amazônia, o Brasil precisa apenas voltar a ser ouvido

Diplomatas consertam vasos quebrados desde os tempos coloniais, eles sabem lidar com o ritmo e o tom nas crises

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Presidente,

O senhor implica com os diplomatas profissionais e chega a ironizar suas boas maneiras. Como disse um colega, alguns arrumam melhor os talheres numa mesa que os pronomes numa frase. Escrevo-lhe com a autoridade de quem, no século passado, serviu como embaixador em postos para os quais o creme de barbear chegava por mala diplomática. (Pequim, Hanói, Maputo e Havana.) Eu evitava usar smoking, porque seria confundido com garçom.

Amanhã o senhor começará a participar da Cúpula do Clima e terá momentos difíceis. Acho que posso ajudar com uma ideia simples: deixe a diplomacia com os diplomatas profissionais. Teste-os, enunciando uma tolice. Quem concordar, profissional não é.

Na diplomacia não há lugar para ganhadores nem para perdedores. Isso é coisa de militares. Às vezes o vencedor finge que perdeu e dá ao perdedor a chance de dizer que ganhou. Conversa de diplomata? Talvez o senhor esteja entre aqueles que consideram o americano Henry Kissinger um grande diplomata. Ele ganhou o prêmio Nobel da Paz, mas abandonou o Vietnã à própria sorte depois de massacrar parte de sua população numa guerra perdida. Eu vivi lá e sei o que houve. Grande marqueteiro, isso sim.

O senhor abraçou uma causa perdida na discussão do meio ambiente. Depois de delirar na virtude de ser um pária, seu governo não deve apresentar contas. Sua carta ao presidente Joe Biden foi longa demais porque muita gente meteu a colher.

Nós já compramos causas perdidas. Apoiamos o colonialismo português na África, ficamos com os chineses de Taiwan mesmo depois que os americanos se acertaram com a China. Votávamos nas Nações Unidas com Portugal por causa da pressão de meia dúzia de comendadores do Rio de Janeiro. Saímos dessa encrenca. Mais difícil foi aguentar as implicâncias com o restabelecimento de relações diplomáticas com a China. O senhor implicou com a vacina chinesa. Para quê?

Diplomatas consertam vasos quebrados desde os tempos coloniais. Eles sabem lidar com o ritmo e o tom nas crises. Na questão da Amazônia, o Brasil precisa apenas voltar a ser ouvido. Deixamos de sê-lo porque deliramos. A irracionalidade não é invenção nossa. Veja o caso dos Estados Unidos na Amazônia. No século 19 eles queriam mandar para lá seus negros. No início do 20, Henry Ford delirou querendo transformar um pedaço da floresta em seringal particular. Décadas depois, o bilionário Daniel Ludwig teve uma ideia parecida. Deliraram, deram-se mal e foram-se embora.

Existe um espaço enorme para negociarmos projetos relacionados com a Amazônia. Para um exportador de grãos que compete conosco no mercado internacional, a vossa política ambiental é um presente.

Pelo que sei, há malandraços oferecendo pontes com a Casa Branca. Não caia nessa. O presidente Biden tem um jeitão de vovô, mas conhece Washington. Para seu caderno de notas: em abril de 1975, as tropas do Vietnã do Norte estavam entrando em Saigon e discutiam-se recursos para resgatar os vietnamitas que haviam ajudado os americanos. O então senador Biden avisou:

“Voto qualquer quantia para tirar os americanos, mas não quero me meter com operações para retirar vietnamitas”.

Eu servi lá e nos Estados Unidos. Sei quanto isso custou aos dois povos.

Atenciosamente,

Italo Zappa ​

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