Elio Gaspari

Jornalista, autor de cinco volumes sobre a história do regime militar, entre eles "A Ditadura Encurralada".

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Crise de 2001 ocorreu em um clima de civilização que parece perdido

Um presidente e um servidor capaz na crise do racionamento

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Se não bastasse a pandemia, vive-se a ameaça de uma crise no fornecimento de energia. E se isso fosse pouco, o projeto de privatização da Eletrobras foi minado pelos jabutis que os maganos enfiaram na legislação.

Tamanha confusão produzida por uma base política voraz e pela falta de rumo do governo poderá ser mais bem entendida por quem se dispuser a atravessar as 368 páginas de "Curto-circuito: Quando o Brasil Quase Ficou às Escuras", dos jornalistas Roberto Rockmann e Lucio Mattos.

Eles contam duas histórias. O tema central é o "apagão" de 2001, quando o governo de Fernando Henrique Cardoso enfrentou a falta de água nos reservatórios. O pano de fundo é a mistura de interesses, inépcias e empulhações que provocaram a crise e desembocaram na girafa em que se transformou o sonho tucano de privatização das estatais elétricas.

Prometiam um modelo no qual a geração seria privatizada, haveria disputa pelo fornecimento e as pessoas poderiam escolher de quem comprariam energia. Não aconteceu nem uma coisa nem outra, as tarifas subiram e a crise hídrica voltou.

Aqui e ali, ecoam algumas situações parecidas com as de hoje. O governo levou meses para perceber a gravidade da crise e não queria falar em racionamento. "Curto-Circuito" mostra a diferença que faz um presidente disposto a botar sua popularidade na frigideira e, sobretudo, entregar o problema a um servidor capaz. Ele foi Pedro Parente, a quem FHC entregou a encrenca e os poderes para enfrentá-la.

FHC e Ruth Cardoso tinham um filho e duas filhas, nenhum deles dava palpite no governo. Para sua sorte, David Zylbersztajn, seu genro ao amanhecer da crise, dirigia a Agência Nacional de Petróleo, entendia do assunto e ajudou a acender a luz vermelha.

O papel de Parente pode ser medido a partir de um episódio, quando ele foi encarregado de chefiar a nova Câmara de Gestão da Crise de Energia. Os marqueteiros não queriam falar em crise. Ele se impôs: "Tem que usar a palavra crise. (...) Não adianta esconder".

Para quem vive no mundo da cloroquina, com o Ministério da Saúde tendo banido o uso das expressões "quarentena" e "autoisolamento", um Pedro Parente é tudo o que falta. Ele trabalhou como um mouro, suas reuniões eram abastecidas com esfihas do Habib's. Houve um dia em que esqueceu de vestir o cinto.

A crise de 2001 não tinha a letalidade da pandemia, mas sua complexidade era enorme. Havia burocratas brigando, o centrão bicando e empresários querendo faturar. Só não havia um presidente negando a crise ou acreditando em remédios milagrosos. (Em março de 2020 Jair Bolsonaro disse que nos Estados Unidos visitaria uma empresa de militares que pesquisa a transmissão de energia elétrica sem fios. Felizmente não foi.)

Em 2001 os jogos noturnos de futebol foram cancelados e Gilmar Mendes, o advogado-geral da União, costurou arestas nos tribunais.

O apagão custou caro à popularidade de FHC, mas suas medidas evitaram catástrofes. Tudo isso num clima de civilização que parece perdido.

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