A Supervia, concessionária do transporte ferroviário metropolitano do Rio de Janeiro, entrou em regime de recuperação judicial. Deve R$ 1,2 bilhão e não tem como pagar.
A velha Estrada de Ferro D. Pedro 2º começou a operar em 1854 e desde então tem sido símbolo de um progresso que não chega. Sua história é um passeio pelo descalabro do sistema ferroviário, pelas maquinações do andar de cima e pelas empulhações oferecidas ao andar de baixo, que paga as contas e viaja em trens ruins.
Ela nasceu privada e, ao longo de 167 anos, viveu num pingue-pongue. Foi uma estatal federal e passou a ser estadual. Era privada, foi estatizada, viu-se privatizada e novamente estatizada. Em 1998, voltou a ser privatizada e desde então mudou de dono três vezes, passando pelas mãos da empreiteira Odebrecht.
A cada movimento, prometia-se um grande futuro aos passageiros. Coisa como uma extensão do metrô e trens de qualidade transportando um milhão de pessoas por dia.
Desde 2019 a SuperVia pertence à empresa Gumi Brasil, controlada por um consórcio da japonesa Mitsui. Suas dificuldades foram atribuídas à perda de passageiros provocada pela pandemia. É verdade, mas não é tudo.
Olhando-se para a lista de credores afetados pela recuperação judicial, sente-se um forte cheiro de queimado. A maior vítima é o velho e bom BNDES, com um espeto de R$ 840 milhões (69% do passivo). Sobrou para a Viúva.
O segundo maior credor da SuperVia é a Light, que fornece energia aos trens. O milagre da privatização mostrou suas rachaduras já em 2001, quando a SuperVia devia R$ 24 milhões à Light. Em 2016, antes do surgimento do coronavírus, a dívida estava em R$ 39 milhões e a Light pediu à Justiça a falência da empresa.
Os atuais administradores da empresa não são responsáveis pelos lances tenebrosos de sua história, mas a patuleia que paga impostos e tarifas não deve esquecê-los. Durante o mandarinato da Odebrecht, a SuperVia administrava também o famoso teleférico do morro do Alemão, aquele que fez a doutora Christine Lagarde, do FMI, se sentir nos Alpes.
Parado, tornou-se uma ruína e seu patrono, o ex-governador Sérgio Cabral, está na cadeia. Em 2009, a milícia de seguranças da empresa chicoteou passageiros em estações congestionadas e seu diretor de marketing e recursos humanos explicou: “Quem segura as portas é marginal. (...) Pode ter havido excessos. (...) Quem abre a porta é marginal, é crime. (...) Todos os passageiros que cumprem as regras são excelentemente tratados. Aqueles que são marginais, prendem a porta e fazem baderna não podem ter o mesmo tipo de tratamento”.
No mundo das ferrovias, existem dois bons negócios. Um deles é vender passagens. O outro é fornecer equipamentos. Se os maiores credores da Supervia fossem esses fornecedores, seria o jogo jogado.
No rastro do pedido de recuperação judicial da Supervia, a Fetranspor, guilda das empresas de ônibus do Rio, puxou o argumento da perda de receita pela pandemia. Sustentam que o governo deve garantir o equilíbrio econômico-financeiro das companhias para assegurar a continuidade dos serviços. (Maganos da Fetranspor passaram temporadas na cadeia, mas essa é outra história.)
Assim é a vida do carioca. Faltam vacinas, o transporte público encarece e é ruim, mas abundam avanços nas tarifas e ataques à bolsa da Viúva.
De Waal e os Camondo
Depois de ter publicado o magnífico “A Lebre dos Olhos de Âmbar”, o inglês Edmund de Waal veio com um novo livro. É “Letters to Camondo” (“Cartas para Camondo”).De Waal é um exímio ceramista e refinado intelectual. Nos dois livros, lida com a história de seus ancestrais, os banqueiros judeus Ephrussi e Camondo. Milionários em Viena e em Paris, foram empobrecidos e perseguidos pelos colaboracionistas franceses.
Quem já viu o quadro “Azul e Rosa”, de Auguste Renoir no Masp, achará suas duas meninas no livro. Elizabeth, a de vestido rosa, foi presa em 1944, aos 66 anos, e morreu em Auschwitz. Alice, a de azul, tornou-se Lady Cavendish e viveu até aos 89 anos.
Num capítulo, em 12 páginas, De Waal expõe sem um único adjetivo o que foi a perseguição aos judeus na França. Em 1942, eles foram proibidos de sair à noite e de ter bicicletas. A edição brasileira sairá no ano que vem.
Boa ideia
A Caixa Econômica está estudando uma boa ideia: um subsídio para policiais militares que venham a comprar casa própria.
Esses policiais ganham mal. Contudo, sabe-se que Fabricio Queiroz, chevalier servant da família Bolsonaro, e Adriano da Nóbrega, o miliciano que chefiava o Escritório do Crime, estiveram na Polícia Militar do Rio. A iniciativa precisa de uma saída de emergência.
Se o policial se meter em falsos tiroteios, milícias ou serviços de segurança para contraventores, perde o subsídio e compensa a Caixa. Sem isso, a iniciativa poderá virar um ProMilícia.
Comentários
Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.