Elio Gaspari

Jornalista, autor de cinco volumes sobre a história do regime militar, entre eles "A Ditadura Encurralada".

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O Haiti não é aqui

Natalia Viana disseca processos que acabam arquivados e conta como ressurgiu a participação militar na segurança

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Está nas livrarias "Dano Colateral - A intervenção dos Militares na Segurança Pública", da repórter Natalia Viana, diretora da Agência Pública de Jornalismo Investigativo. É um mergulho na gênese e nos resultados do reaparecimento dos militares na política. Ela foi do andar de baixo, falando com soldados, policiais, vítimas e camelôs, ao de cima, ouvindo ex-ministros, magistrados e generais. Leu processos e presenciou audiências. Desse acervo resultou o livro, uma reportagem que dá vida a siglas como GLO (Garantia da Lei e da Ordem) e Apop (o "agente perturbador da ordem pública"). Se, durante uma GLO, a tropa mata um Apop, isso resulta num "dano colateral".

Ela conta histórias como a de Evaldo, que, num domingo de 2019, ia com a mulher e o filho de sete anos a um chá de bebê e morreu quando soldados atiraram contra seu carro. Luciano, que estava por perto e tentou socorrê-lo, também foi baleado e acabou morrendo. Foram 62 tiros. O julgamento da patrulha que confundiu o carro de Evaldo com o de bandidos, e Luciano sabe-se lá com o que, poderá acontecer em julho.

Natalia Viana seguiu 34 outras histórias. Elas têm um padrão de acobertamento e impunidade. Num caso surgiu a figura da "legítima defesa imaginária".

Presidentes com origens tão diversas como Dilma Rousseff, Michel Temer e Jair Bolsonaro recorreram às GLOs. A mais espetaculosa (e inútil) foi o "golpe de mestre" de Temer com a intervenção na segurança do Rio de Janeiro. Nela apareceu a estrela do general Braga Netto, atual ministro da Defesa.

Natalia Viana disseca processos que acabam arquivados e conta como ressurgiu a participação militar na segurança. Daí para a política foi um pulo.

Houve uma mudança na atividade do Exército e ela começou com a ida da tropa brasileira para a força de paz da ONU ao Haiti. Entre 2004 e 2017 passaram por lá 37 mil militares das três Forças. Se no século passado houve a FEB na Itália, neste há a Minustah do Haiti. Seis de seus nove comandantes foram para o governo de Jair Bolsonaro. Na Itália a FEB combateu um exército. No Haiti buscava-se manter a ordem. Coisas que se fizeram em Port au Prince, quem sabe poderiam ser feitas no Brasil. Deu no que deu e os próprios generais admitiram que as GLOs enxugam gelo. Do Haiti, nem se fale.

O dispositivo constitucional que permitiu a militarização de atividades policiais foi concebido pelo general Leônidas Pires Gonçalves em 1988. Cabe contudo uma ressalva. Leônidas deixou o Ministério do Exército em 1990 e morreu em 2015. Por experiência própria, não gostava da ideia de envolver o Exército em atividades policiais. Ele conhecia o perigo dessa mistura e avisava: "Quartel não tem algemas".

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