Elio Gaspari

Jornalista, autor de cinco volumes sobre a história do regime militar, entre eles "A Ditadura Encurralada".

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Passados dois anos, a 'nova política' de Bolsonaro é nova, e pior

Vacina com pixuleco de US$ 1 humilha um país onde já morreram mais de 500 mil pessoas

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A vacina com pixuleco de US$ 1 humilha um país onde já morreram mais de 500 mil pessoas e, entre os vivos, há 14,8 milhões de desempregados.

Passados dois anos da promessa de uma “nova política” com Jair Bolsonaro, chegou-se a algo muito pior. Sabia-se que as tais “bancadas temáticas” que dariam suporte ao governo eram uma fantasia, prima do nióbio, do grafeno e da cloroquina. Tudo acabou nas mãos do centrão, reforçado pelo primarismo das milícias.

Nenhum dos picaretas que atacou a bolsa da Viúva equiparou-se ao cabo da PM mineira Luiz Paulo Dominguetti Pereira. Ele denunciou que Roberto Ferreira Dias, o então diretor de Logística do Ministério da Saúde, pediu-lhe um pixuleco de US$ 1 para cada unidade da vacina da Oxford/AstraZeneca numa encomenda de 400 milhões de unidades.

A um dólar por vacina o pixuleco seria de US$ 400 milhões. Isso não existe, como não existe um rato de 40 toneladas. Na tarde de quinta-feira o senador Tasso Jereissati, com sua experiência de empresário bem-sucedido, demonstrou que o laboratório AstraZeneca não teria como entrar numa operação desse tipo. Se isso fosse pouco, a empresa nunca teria capacidade para fornecer 400 milhões de vacinas a quem quer que seja.

Num governo normal, o cabo Dominguetti seria desqualificado como um simples Napoleão de hospício, mas o de Bolsonaro não é um governo normal. Nele, os Napoleões internam o diretor do manicômio.

Em dezembro do ano passado, o coronel Elcio Franco, com seu brochinho de punhal ensanguentado, disse que o governador João Doria sonhava acordado ao prometer vacinas para janeiro: “Não brinque com a esperança de milhares de brasileiros. Não venda sonhos”. No dia 17 de janeiro a enfermeira Mônica Calazans recebeu a primeira dose da vacina Coronavac, aquela que Bolsonaro garantia que não seria comprada.

Um mês depois da vacinação de Mônica Calazans, o cabo Dominguetti encontrou-se com Dias num restaurante de Brasília. Dias estava acompanhado pelo seu assessor, o coronel da reserva Marcelo Blanco, um dos 21 militares da ativa e da reserva que escoltavam o general Eduardo Pazuello no Ministério da Saúde.

Em março, ao deixar o cargo, o próprio Pazuello denunciou “a liderança política que nós temos hoje”. Atribuiu sua queda a um grupo de “oito atores [...], um grupo interno nosso” que “tentou empurrar uma pseudonota técnica que nos colocaria em extrema vulnerabilidade, querendo que aquele medicamento, a partir dali, estivesse com critérios técnicos do ministério, e ele [o medicamento] não tinha”.

O general deixou o ministério, subiu no carro de som de Bolsonaro e hoje está no Palácio do Planalto. Nunca explicou quem eram os oito nem qual era o medicamento.

Três dias antes do jantar com o cabo Dominguetti, o coronel Blanco abriu a empresa Valorem Consultoria em Gestão Empresarial. Já o diretor Roberto Dias estava com a cabeça a prêmio, pois Pazuello havia decidido demiti-lo, mas o senador Davi Alcolumbre segurou a lâmina na Casa Civil da Presidência. A mesma lâmina que meses depois cortaria o pescoço da médica infectologista Luana Araújo, nomeada pelo ministro Marcelo Queiroga para a Secretaria Extraordinária de Enfrentamento à
Covid-19
. Ela não merecia a confiança do governo, pois condenara o uso de drogas milagrosas.

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