Senhor ministro,
De cá onde estou, há tempo o Barão de Mauá me mostrava assombrado vossas contas no “Encouraçado Internacional”, naquela possessão inglesa que hoje vocês chamam de paraíso fiscal. Como não podemos tratar com o que sabemos, só agora lhe falo. Repito o que disse aos oficiais que me escoltaram para o exílio em novembro de 1889: “Os senhores são uns doidos”.
Outro dia escrevi ao doutor Fabio Jatene, que vocês trataram como doido quando ele apontou para a gravidade da epidemia.
Agora escrevo-lhe para pedir-vos que atentem para a necessidade dos exemplos. O doutor Getúlio Vargas e o marechal Castello Branco pediram-me que o fizesse. Eles governaram o Brasil sem fortuna. Vosmicê a fez antes de ir para o ministério, sem se meter em traquinadas. Vosso problema é de outra ordem. Já chamou os miseráveis de invisíveis, reclamou das empregadas que vão à Disney e dos filhos de porteiros que chegam à universidade.
Eu, um filho de casa real, governei nosso país por 49 anos, fui banido com toda minha família, tive meus bens confiscados e, mesmo assim, recusei uma prebenda que a República me ofereceu.
Parti com minhas coisas pessoais e guardei apenas um saquinho de terra da nossa pátria, que tenho comigo até hoje. Ao chegar a Lisboa, recusei a hospedagem do rei de Portugal, sem ter como me sustentar. Felizmente o Visconde Alves Machado, um nobre que fizera fortuna no Brasil, adiantou-me uma quantia.
Depois, alguns amigos me ajudaram. O Barão de Penedo, que recebia comissões quando negociava nossas dívidas, amparou-me. Saiba, ministro, que a banca dos Rothschild, que emprestava dinheiro ao Império desde o tempo de meu pai, queria o aval de meus descendentes na promissória. Assim são os banqueiros, Vosmicê os conhece.
Faço justiça aos doidos que me depuseram. O Deodoro nada tinha, nem o Floriano Peixoto.
Um de seus antecessores, o doutor Octávio Gouveia de Bulhões, que assumiu a Fazenda em 1964, veio para cá sem deixar coisa de monta. Encontro-o em concertos e ele lembra alguns ministros da minha corte.
Criticavam-me porque andava sempre de casaca preta e, nas viagens, carregava a minha maleta. Meus palácios eram pobres. Não houve esplendor no Império. Outro dia encontrei a grã-duquesa russa Vladimir. Ela estava com o príncipe Felix Yusupov (aquele em cuja casa mataram o charlatão do Raspútin).
Ambos surpreenderam-se porque, além de nada ter fora da pátria, como eles, nada levei dela. A senhora conseguiu resgatar suas joias e a magnífica tiara de brilhantes está hoje com a rainha da Inglaterra. Felix salvou joias e um quadro do Rembrandt.
Os russos ostentavam, nós não. Isso não se devia à falta de gosto. Eu e Teresa Cristina o temos, mas nos afastamos da riqueza para firmar o exemplo.
Com o bujão de gás a R$ 125 e os jornais publicando fotografias de gente do povo catando carne em ossos, os governantes precisam oferecer ao menos exemplos. O doutor Márcio Thomaz Bastos, que é hoje procurador da Isabel, me contou que, quando assumiu o Ministério da Justiça, colocou o dinheiro dele num fundo cego. Tinha mais que Vosmicê, acredite.
Vossas explicações têm sido soberbas, irritadas e tentam estimular o silêncio. Não faça assim, ministro, maluquice tem limite.
Atenciosamente,
Pedro de Alcântara
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