Elio Gaspari

Jornalista, autor de cinco volumes sobre a história do regime militar, entre eles "A Ditadura Encurralada".

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A linha do almirante da Anvisa

Vamos deixar de bobagem e vamos vacinar, disse Antonio Barra Torres

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Bolsonaro pintou-se para uma nova guerra: "Estamos trabalhando agora com a Anvisa, que quer fechar o espaço aéreo. De novo, porra? De novo vai começar esse negócio?".

A Anvisa nunca sugeriu que se fechasse o espaço aéreo, mas, diante do surgimento de uma nova variante do vírus, o presidente anteviu uma nova batalha.

Ele não gosta da vacinação, preferia cloroquina e prefere viver no mundo da negação, supondo que com isso defende a economia. Há um ano, Bolsonaro dizia que a vacina Coronavac não seria comprada. Comprou-a. Condenava o isolamento social e teve que aceitá-lo.

De fato, pode ser que comece tudo de novo, porque o governador João Doria anunciou que instituirá o passaporte de imunização em São Paulo. Ele comprou a vacina chinesa e em janeiro começou a aplicá-la.

A nova encrenca de Bolsonaro com a Anvisa foi um retrato da disfuncionalidade de seu governo. Com mais de 600 mil mortos, o governo federal ainda assim teria algo de que se orgulhar.

Bolsonaro, um homem branco, com cabelo liso, castanho e grisalho nas pontas, fazendo uma expressão de descontentamento. Ele está de terno e aparece na altura do peito, atrás de uma parede
O presidenteJair Bolsonaro durante cerimônia no Palácio do Planalto, em Brasília - Adriano Machado - 09.Dez.2021/Reuters

O Brasil está chegando perto da marca de 300 milhões de doses aplicadas, com cerca de 65% da população imunizada. Apesar disso, Bolsonaro prefere procurar uma nova briga.

Arrumou um ministro da Saúde capaz de dizer que prefere perder a vida à liberdade, como se esse dilema estivesse na mesa.

Depois de ter fritado dois ministros que tomaram o partido da ciência e de ter amparado um general desastroso, o capitão sente-se confortável com o médico Marcelo Queiroga.

É seu estilo, mas não precisava chamar a Agência Nacional de Vigilância Sanitária para a briga.

Primeiro, porque a Anvisa é um órgão independente. Além disso, porque está atirando num quadro de sua tropa, o médico e almirante Antonio Barra Torres, cujo pecado seria ter traçado uma linha no chão, além da qual não pisaria.

Barra Torres pode ser visto como um exemplo do oficial que atendeu ao chamado do capitão. Militar e cavaleiro da Ordem de Malta, foi colocado na direção da Anvisa em março de 2020, quando os mortos pela Covid eram cinco, acompanhou Bolsonaro numa manifestação que desafiava a pandemia e o Supremo Tribunal Federal. Ele não se entendia com o ministro Luiz Henrique Mandetta e tinha tudo para virar um daqueles aloprados que o general Pazuello levaria logo depois para o Ministério da Saúde.

Sem estridência, Barra Torres, afastou-se do negacionismo. Recusou-se a patrocinar as virtudes da cloroquina e disse coisas desagradáveis, tais como: "Estamos trabalhando no mundo real, que é o mundo científico", ou " vamos deixar de bobagem e vamos vacinar".

Quando foi pressionado, o almirante deu um recado críptico: "Meu limite está muito longe ainda. Tenho 32 anos de treinamento militar".

Como tem mandato e dirige uma agência independente, não cabia na frigideira em que foi jogado o general Santos Cruz. O almirante preservou a credibilidade da Anvisa, evitou bate-bocas e provocações. Não se colocou como um ativo contraponto à disseminação de superstições.

Barra Torres, ao contrário do general Pazuello e do "coronel" Queiroga, não é candidato a nada. É raro que oficiais da Marinha se metam em política eleitoral.

Não se pode saber que rumo tomará a briga pela exigência do passaporte. Afinal, Bolsonaro e Queiroga produziram uma gambiarra. O governador João Doria venceu as batalhas da vacinação e da Coronavac, e é pré-candidato a presidente da República.

Uma coisa é certa, Bolsonaro não precisava encrencar com a Anvisa. Até porque, no atacado, a agência tem razões para se orgulhar de sua conduta durante a pandemia.

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