Madame Natasha coleciona as falas do ministro Paulo Guedes e as guarda na prateleira do realismo fantástico. Como a senhora zela pelo idioma, resolveu conceder-lhe uma de suas bolsas de estudo pela justificativa que deu para o entesouramento de de 9,55 milhões de dólares num paraíso fiscal do Caribe:
"Se você tiver uma ação no nome da pessoa física e falecer, 46% é expropriado pelo governo americano (...). Então, se você usar offshore, você pode fazer esse investimento. Se você morrer, em vez de ir para o governo americano, vai para a sucessão".
Entendido. O doutor não quer pagar imposto de transmissão quando passar desta para outra melhor.
O que Natasha estranhou é que, sendo ministro da Economia, diga que o cidadão americano é "expropriado" em 46%. Essa é a palavra que a turma dos assaltos a bancos dos anos 70 usava para designar suas ações. A Receita Federal de Pindorama expropria?
Guedes tem uma estranha relação com o capitalismo americano. Quando lhe convém, louva-o. Quando ele tenta cobrar-lhe impostos, abriga-se num paraíso caribenho.
A senhora viu o doutor defendendo a venda de bens do patrimônio da Viúva com sua retórica infeliz: "Tem um negócio chamado fundo de erradicação da pobreza, sem dinheiro, sem gasolina. Enche o tanque do fundo, vende alguns ativos aqui e enche o tanque do fundo".
Por simples, a transação parece boa, mas Noel Rosa já cuidou dela na marcha "Palpite", de 1931:
Ser palpiteiro neste mundo é a tua sina
Vendeste o carro pra comprar gasolina.
A batalha dos planos de saúde
Em 2019 a guilda das operadoras de saúde privada patrocinou um projeto de revisão da lei de 1998 que regula esse mercado.
O projeto ficava a sete chaves. Pretendia desossar a regulação e, acima de tudo, abrir caminho para planos que custam pouco e servem para quase nada. O documento vazou e ficou sem pai nem mãe, mas suas ideias não morreram de todo.
Agora circula em Brasília uma minuta de projeto do deputado Hiran Gonçalves, com quase uma centena de mudanças na lei.
Enquanto a manobra das guildas de 2019 vivia no escurinho de São Paulo e Brasília, o texto do deputado tem autor e é apenas uma minuta, tipo tema-para-conversa. Vista no ministério da Saúde, levantou algumas objeções.
Tratar de um assunto desse tipo no meio de uma pandemia e das maluquices praticadas em planos que empurravam a cloroquina é caminho certo para envenenar um debate que as guildas evitam.
Não é justo para o mercado que a freguesia só saiba das malfeitorias de operadores quando eles fazem delações premiadas ou são atropelados por escândalos nos quais morre gente.
Como ensinou o juiz Brandeis: a luz do Sol é o melhor detergente.
Comentários
Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.