Elio Gaspari

Jornalista, autor de cinco volumes sobre a história do regime militar, entre eles "A Ditadura Encurralada".

Salvar artigos

Recurso exclusivo para assinantes

assine ou faça login

Elio Gaspari

De Bartolomeu Barreiros para Bolsonaro

Eu estava atrás do ouro da Amazônia

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Prezado presidente,

Meu nome é Bartolomeu Barreiros de Ataíde e o senhor nunca ouviu falar de mim. Fui paraense e em 1644 pedi à Coroa portuguesa autorização para procurar "uma grande mina " de ouro na região do Araguaia.

Para dizer a verdade, eu já havia achado alguma coisa e por isso havia sido preso. Os burocratas do Conselho Ultramarino deram parecer contrário ao meu pedido. O senhor também teve interesse pelo garimpo de ouro, para aborrecimento de seus superiores do Exército.

Os espanhóis haviam achado uma montanha de prata e em Potosi chegaram a viver 100 mil pessoas, rivalizando com Londres. Sonhavam com uma Lagoa Dourada, um Rio do Ouro e com uma montanha de ouro nas nossas matas. A montanha existia, mas só foi achada no século 20. Chamou-se Serra Pelada e ficava no Araguaia. Dela restaram um buraco, histórias de aventuras e as fotografias de Sebastião Salgado.

Garimpo no rio Uraricoera, em terras Yanomam - Christian Braga - 9.abr.21/Greenpeace

O senhor acaba de assinar um decreto facilitando o que denominou de "mineração artesanal". Isso não existe, o que há é um disseminado garimpo ilegal, que às vezes se associa a milícias da mata e ao crime organizado em torno do tráfico de drogas.

​Digo-lhe isso porque eu queria garimpar legalmente no Araguaia. Daqui vejo que a Amazônia de hoje é percebida de maneira diferente. O Brasil é confundido com inimigos do meio ambiente, dos povos indígenas e, de certa forma, com a transgressão das leis. Numa hora dessas o senhor fala em garimpo artesanal sabendo que, nos rios, esse artesanato demanda barcaças, geradores e mercúrio. Artesanal era o garimpo do meu tempo.

Não vou discutir com a turma que lhe leva conselhos. Quero viajar consigo pelos séculos. O que aconteceria se eu tivesse chegado a Serra Pelada?

A mina dos sonhos fazia parte do Estado do Grão Pará e do Maranhão, estava fora da jurisdição do governo de Salvador e, depois, do Rio de Janeiro. Nessa época, as grandes potências da Europa (Inglaterra, França, Holanda e Espanha) estavam se olho no sonho do Eldorado. Eles construíam fortificações e nós as destruíamos. Isso, com gente que ia atrás de sonhos e produtos da mata.

Imagine o que aconteceria se eles batessem naquela montanha de onde, em poucos anos, tiraríamos 42 toneladas de ouro. Os mineiros acharam muito ouro e meteram-se numa sedição, chegando a pedir ajuda ao embaixador dos Estados Unidos na França. Nem saída para o mar eles tinham. Acredite, o Grão Pará, ou um pedaço dele, iria embora do Brasil.

No meu tempo, Portugal defendeu a Amazônia com unhas e dentes, mais tarde essa tarefa ficou com o Barão do Rio Branco, com suas luvas de pelica. Através dos séculos o Brasil manteve sua soberania na Amazônia em nome de um Estado que mantinha a região sob o império da lei e da ordem. Nunca houve por lá muita lei nem muita ordem, mas o Estado nunca se confundiu com a ilegalidade ou com a desordem.

De garimpeiro para garimpeiro: seu decreto não seria aceito pelo Conselho Ultramarino. Depois da missa de ontem encontrei o marquês de Pombal e comentei a ideia, como se fosse minha. Ele mandou que me calasse para não ser posto a ferros. É um homem mau.

Atenciosamente,

Bartolomeu Barreiros de Ataíde

LINK PRESENTE: Gostou deste texto? Assinante pode liberar cinco acessos gratuitos de qualquer link por dia. Basta clicar no F azul abaixo.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.