Érica Fraga

Repórter especial, ganhou o prêmio Esso em 2013. É mestre em política econômica internacional pela Universidade de Warwick (Inglaterra).

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Érica Fraga

Como esperar que nossos filhos desenvolvam empatia sem contato com outras realidades?

Entender as emoções do outro é difícil com olhares cada vez mais focados em pequenas telas

Crianças brincam no Sesc 24 de Maio, em São Paulo
Crianças brincam no Sesc 24 de Maio, em São Paulo - Juca Varella - 20.ago.2017/Folhapress

Há pouco tempo, inaugurei a moda de um passeio durante a semana com meus três meninos para espairecer, quebrar a rotina quase exclusiva de escola e trabalho, explorar um pouco a cidade etc.

Depois do sucesso de uma viagem rápida recente de metrô, prometi que voltaríamos em breve. Na última segunda-feira, consegui cumprir a promessa e lá fomos nós quatro. O plano era simplesmente percorrer todo o trajeto de uma linha, chegar à estação final e voltar.

Embarcamos no meio da manhã, num vagão praticamente vazio. À medida que o trem avançava, mais e mais gente entrava, e as caras de empolgação do início foram se transformando.

Observadores astutos –como são as crianças–, eles examinavam os passageiros da cabeça aos pés. Pareciam perceber que havia ali muito mais diversidade do que costumam ver no dia a dia de seu reduzido microcosmo de classe média alta paulistana.

De repente, o trem deixou de ser subterrâneo e surgiram paisagens também bem diferentes daquelas que se tornaram habituais para eles. Em vez de prédios altos, o que viam eram barracos de uma comunidade carente.

Em um certo momento, a excitação, claramente, já tinha sido substituída por algum outro sentimento, possível combinação entre desconforto e curiosidade.

No embarque de volta, uma outra novidade: o trem lotado. A expressão, nesse momento, foi de questionamento: entraremos assim mesmo? Perceberam que não havia tempo para conversa e simplesmente embarcaram.

Passadas algumas estações, o vagão tinha esvaziado novamente. Nos sentamos. Um deles me pediu o celular. Relembrei a ele que uma das regras desses passeios era “sem eletrônicos”. Uma espécie de tédio pareceu baixar neles então, acostumados que estão a se distrair com joguinhos em trajetos um pouco mais longos.

O olhar dos três, a essas alturas, era de divagação, e acredito que o meu fosse de preocupação. Não com a habitual correria do horário do almoço que se aproximava. Mas com a tarefa que me pareceu mais difícil do que todas as outras: evitar que meus filhos cresçam numa bolha social e tecnológica.

Como esperar que desenvolvam a empatia necessária para se colocar no lugar do outro –o que amarga longas horas no transporte público lotado, sofre em filas de hospitais e não recebe educação de qualidade–, se eles pouco veem essas realidades ao vivo?

Como esperar que entendam as emoções dos demais se os olhares estão cada vez mais direcionados para baixo, focados nas pequenas telas?

Não tenho as respostas, mas gostaria de —em meio a tantas outras responsabilidades relacionadas à maternidade – não perder o ímpeto de buscá-las.

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