Esper Kallás

Médico infectologista, é professor titular do departamento de moléstias infecciosas e parasitárias da Faculdade de Medicina da USP e pesquisador na mesma universidade.

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Esper Kallás
Descrição de chapéu Coronavírus

Como prever pandemias?

Caçadores de germes podem ajudar a identificar novos vírus

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A essa altura dos acontecimentos deve estar claro para todos que a Covid-19 não é a primeira e não será a última pandemia que afeta a humanidade. Cientistas, presidentes, ex-presidentes, escritores, cineastas, futurólogos e até mesmo os jogos de estratégia que nossos filhos e filhas jogam em seus computadores já abordam esse tema há muito.

Diante da Covid-19, muitos se perguntam: poderíamos ter previsto o que está acontecendo? Há como detectar que um novo germe com potencial de disseminação? É uma tarefa difícil.

Cerca de 60% das epidemias e pandemias têm origem em organismos que vivem e se multiplicam em animais. Ao serem transmitidos para um humano podem causar o que chamamos de “zoonose”. Há exemplos de vírus (Aids, zika), bactérias (salmonelose), protozoários (toxoplasmose) e príons (mal da vaca louca) que trilharam esse caminho.

O problema é que os causadores de todas as epidemias e pandemias por novos germes até hoje não foram detectados antes delas ocorrerem. Isto é, não conseguimos criar um sistema que nos permita saber, com antecedência, o que virá e qual será o impacto.

Para tentar responder a essa e a outras importantes questões, novas tecnologias procuram disponibilizar formas de conhecer melhor os agentes que vivem nos animais criando também um sistema de “vigilância” para checar se passaram a causar doenças em humanos.

É aí que se encaixa o sequenciamento genético em larga escala, para melhor “visualizar” esses germes, como se dispuséssemos de uma espécie de microscópio molecular que nos permitisse visualizar a estrutura genética desses organismos. É uma revolução comparável à descoberta de Antonie van Leeuwenhoek, o holandês que conseguiu ver esses diminutos seres quando criou o primeiro microscópio, no século 17.

O assunto já foi abordado por diferentes autores, como C. J. Peters (“Virus Hunter”, 1998).

Com essa e outras novas tecnologias, associadas ao trabalho colaborativo de diferentes pesquisadores em várias regiões do mundo, é possível saber quais vírus habitam os morcegos, por exemplo, em todos os continentes, inclusive no Brasil.

Embora alguns acreditem que essas ocorrências devam ser creditadas apenas a países como a China, ou a outros de hábitos tidos como “exóticos”, qualquer região do mundo está suscetível ao aparecimento de novas zoonoses.

Em janeiro deste ano, uma doença que se parecia com febre amarela causou a morte de de um paciente no Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP, em São Paulo. Usando técnicas moleculares, foi possível identificar um novo vírus, pertencente a outra família, conhecida como arenavírus, nunca antes detectado. Foi um caso isolado e não foram encontradas outras pessoas que contraíram o mesmo agente.

Exemplos assim são mais frequentes do que imaginamos. Felizmente, a maioria ocorre em casos isolados, que não conseguem sustentar a transmissão de pessoa para pessoa. Podemos, dessa forma, detectar agentes ainda desconhecidos em pessoas que desenvolvem doenças, mesmo antes da criação de testes diagnósticos específicos.

Parece ficção científica, mas a genética avançada permite detectar qualquer vírus em uma amostra simples colhida de uma pessoa. Adotar essa conduta de vigilância de novos germes é, no Brasil e no mundo, uma atitude estratégica. Nos beneficiaremos muito de uma rede que consiga mapear organismos presentes em animais e identificar imediatamente germes causadores de novas doenças em humanos.

Colocar o microscópio molecular na trincheira de vigilância é um passo importante para nos proteger da
próxima pandemia.

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