Esper Kallás

Médico infectologista, é professor titular do departamento de moléstias infecciosas e parasitárias da Faculdade de Medicina da USP e pesquisador na mesma universidade.

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Esper Kallás
Descrição de chapéu Coronavírus

O vírus estável

O novo coronavírus irá mudar sua capacidade de transmissão ou de causar doença?

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Vamos falar sobre vírus.

Desde o início da pandemia de Covid-19, muito se especulou sobre a capacidade de mutação do Sars-CoV-2, o vírus causador da doença. Havia uma preocupação de que o novo coronavírus poderia sofrer mutações e, por isso, ficar mais transmissível de pessoa para pessoa. Sugeriu-se, inclusive, que pacientes de uma determinada região estariam morrendo mais de Covid-19 porque ali o vírus teria ficado mais agressivo.

Muitos roteiros de filmes, bem como enredos de livros de ficção científica sobre doenças e pandemias, trazem histórias alarmantes sobre mutação viral. Nesse sentido, quando a vida se aproxima da ficção, tal como parece ser o caso agora, é natural que tenhamos tais preocupações, temores e incertezas. Mas são essas preocupações reais? A mutação viral, tal como a dos filmes, é só uma história? Eis os fatos.

O vírus tem um objetivo: multiplicar-se. E faz isso ao entrar numa célula, usando seus insumos como um parasita. Em seguida, os novos vírus formados saem da célula e buscam as células vizinhas para começar tudo de novo. Quanto mais consegue fazer isso, mais deixa descendentes.

Não se deve, portanto, antropomorfizar um vírus: ele não é mais ou menos inteligente, não agride mais ou menos simplesmente porque quer e tampouco planeja poupar ou sacrificar seu hospedeiro. O vírus evolui somente para ser transmitido e multiplicar-se. O problema é que uma pequena minoria dos vírus existentes faz isso causando doença. Infelizmente, é o que se passa com o novo coronavírus.

O Sars-CoV-2 tem material genético longo. São aproximadamente 29 mil posições de codificação (chamadas bases nitrogenadas), número esse que é considerado grande, especialmente se comparado com outros vírus, como o HIV. Para sermos mais precisos: o material genético do Sars-CoV-2 é cerca de três vezes mais longo que o do HIV.

Outra coisa que sabemos é que o Sars-CoV-2 é, sim, capaz de mudar seu código genético. Em outras palavras, este é um vírus que pode sofrer mutação.

Entretanto, o novo coronavírus tolera número limitado modificações em seu material genético. Mudanças maiores na coordenação da multiplicação geram erros que impedem que complete seu ciclo. E é isso o que parece ocorrer com o Sars-CoV-2. A maioria das mutações que ocorrem na sua evolução é mínima e não altera a estrutura do vírus, enquanto a maior parte do material genético serve para controlar a sua multiplicação.

As dezenas de milhares de sequências genéticas do vírus obtido de pacientes com Covid-19, em todos os continentes, comprovam que ele tolera muito pouco as variações. Em suma, esse é um vírus que muda pouco. Até agora, as poucas mutações observadas servem mais para nos dizer qual o caminho percorrido pelo vírus até agora e nada além disso.

Não é possível prever a transmissibilidade do novo coronavírus e nem de outros vírus baseando-se apenas na sequência genética. Somente a observação de sua transmissão entre as pessoas será capaz de elucidar essa informação. E, até agora, o padrão tem sido mantido.

Foi encontrada alguma modificação que resultou em alteração da capacidade do vírus ser transmitido? Até agora não. De fato, as taxas de transmissão podem variar em diferentes lugares, o que parece estar relacionado às condições sociodemográficas, à mobilidade, ao distanciamento social e ao uso de máscaras.

A Covid-19 tem características distintas em países diferentes? Também não. Os sintomas da doença descritos na China, na Itália, nos Estados Unidos e no Brasil são bastantes semelhantes. Os fatores de risco ligados à doença grave também são os mesmos.

Isso tudo quer dizer que estamos diante de um vírus estável, que é transmitido de forma semelhante por onde se espalha e causador de uma doença parecida em todos estes lugares.

Apesar de estarmos vivendo em tempo que tanto se assemelha a uma história de ficção científica, a verdade é que, no que diz respeito à mutação genética, o enredo da vida real não acompanhou o cinema e a literatura: o novo coronavírus não sofreu mutações capazes de mudar suas principais características durante o curso desta pandemia. Se isso acontecer, será um fato sem precedentes.

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