Em 2007, um grupo de pesquisadores europeus estudava a transmissão da bactéria causadora da peste negra, por pulgas que infestam ratos-do-deserto no Cazaquistão. Essa espécie de roedores tipicamente vive em grupos, fazendo buracos e percorrendo túneis subterrâneos bastante extensos, que conectam áreas consideravelmente vastas.
Os ratos-do-deserto e suas pulgas, contudo, não eram suficientes para explicar per se a disseminação da bactéria causadora da peste negra. A transmissão desta bactéria só ocorria de maneira consistente quando havia conexão suficiente entre diferentes grupos de ratos através dos túneis, aumentando, assim, a chance de infecção entre os animais. Essa capacidade de infiltrar-se e avançar através de canais interligados é o que conhecemos como percolação, termo emprestado da ciência dos materiais.
Em outras palavras, a mera presença da bactéria não era bastante para, sozinha, causar aquela epidemia: era preciso que as conexões entre os ratos já existisse e em quantidade capaz de permitir o alastramento da doença —um elemento da realidade completamente alheio à existência da bactéria, mas fundamental para sua disseminação.
É claro que, se essa bactéria tivesse uma natureza mais infecciosa, talvez fosse, por si só, apta a disseminar-se mais facilmente, infectando maior número de ratos, mesmo diante de menor número de conexões existentes.
Com o novo coronavírus temos as mesmas variáveis. Observamos sua infectividade, calculando quantas pessoas são infectadas a partir de um indivíduo que está com o germe, valor que os epidemiologistas chamam de “R0”. Quanto maior o R0 de um germe, mais facilmente ele se dissemina. O vírus com R0 mais alto que conhecemos é o do sarampo, com valor variando entre 12 e 18. Ou seja, uma pessoa com sarampo é capaz de transmitir, em média, para 12 a 18 outras pessoas.
Da mesma forma, analisamos também os obstáculos que impedem ou atrapalham o novo coronavírus de se espalhar, isto é, se os elementos alheios ao vírus estão permitindo ou dificultando sua expansão. Para isso, contabilizamos, por exemplo, a porcentagem de pessoas imunes à doença, a quantidade de sobreviventes e o período de transmissão. A medida da expansão ou retração de uma epidemia é calculada por epidemiologistas para determinar o “Rt”. Se este número for maior que 1, a disseminação está acelerando e se for menor, está em retração.
Enquanto o R0 do novo coronavírus está ainda sendo estimado, com indicativo que será algum número entre 2 e 6, seu Rt é dinâmico e variável durante a onda pandêmica.
A dinâmica de transmissão do novo coronavírus é muito distinta entre diferentes populações. O exemplo mais notório é a onda pandêmica de São Paulo, uma das mais prolongadas do mundo.
Mas, afinal, por que a onda da Covid-19 varia tanto?
Uma possível explicação pode estar na conexão entre os habitantes de uma cidade. Redes de transporte público, deslocamentos, elos sociais e contatos frequentes servem como pontos de transmissão. Em São Paulo, foi a redução da mobilidade que permitiu a lentificação da transmissão, mas não impediu que, aos poucos, o vírus se alastrasse pela população da região metropolitana.
As redes de transmissão social do novo coronavírus estão na base do entendimento da onda pandêmica. Qual é o limiar de interações sociais necessário para sustentar a disseminação de vírus respiratórios?
Essas noções reforçam a necessidade de uma resposta coletiva para enfrentarmos uma pandemia. E reafirmam o que já sabíamos: estamos todos conectados.
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