Esper Kallás

Médico infectologista, é professor titular do departamento de moléstias infecciosas e parasitárias da Faculdade de Medicina da USP e pesquisador na mesma universidade.

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Esper Kallás

Os ensinamentos do norte

As lições que aprendemos com a onda pandêmica na Suécia

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Não resta dúvida que a transmissão do novo coronavírus e os números de casos e mortes da Suécia chamam a atenção do mundo.

Desde a chegada do vírus à Europa, o país seguiu uma estratégia contra a pandemia de Covid-19 bastante distinta do restante do continente. Decidiu adotar a política de enfrentamento sem impor medidas restritivas de mobilidade. Ao contrário, manteve as atividades gerais, com o pressuposto de que o impacto econômico seria menor e os casos de infecção pelo novo coronavírus se esgotariam com o passar do tempo.

De início, tal como previsto, o número de casos tomou dimensões maiores que nos demais países europeus. Houve acúmulo de pacientes nos hospitais e muitos morreram, especialmente aqueles que viviam em locais de acolhimento de idosos, que são especialmente vulneráveis, onde a transmissão acabou facilitada.

O pesadelo durou cerca de quatro meses e meio, quando ocorreu expressiva redução da transmissão, dando sinais de que estava, para o alívio de todos, sob controle.

Muitos especialistas se debruçaram sobre os números do país nórdico, suscitando grande debate sobre a assertividade da ousada estratégia. Até o influente Elon Musk tuitou sobre o assunto, dizendo que a abordagem sueca estava correta e insinuando que as restrições dos outros países teriam sido excessivas.

Muitos se perguntaram se a quantidade de pessoas que tiveram contato com o vírus no país teria levado a imunidade populacional capaz de bloquear a disseminação do vírus. Todavia, os inquéritos não apontavam uma porcentagem alta de pessoas com anticorpos no sangue. Seriam os testes incapazes de detectar a resposta imune?

A resposta veio poucos meses depois. Junto com outros países europeus, a Suécia passou a sofrer aumento de casos, com velocidade de crescimento ainda maior. O número de casos diários de Covid-19 já bateu quatro vezes o pico observado no primeiro semestre, ainda com tendência de alta. Não há sinais de que a imunidade populacional tenha sido capaz de reduzir a disseminação.

O número de mortes também tem aumentado: embora menos do que foi observado na primeira onda, segue em crescimento, levando o país a desconfortáveis 622 mortes acumuladas por milhão de habitantes —no Brasil estamos em 803— colocando a Suécia no rol de países europeus com alta taxa de mortalidade.

Tudo isso fez com que até mesmo as autoridades suecas admitissem que suas projeções estavam erradas. Em outras palavras, deixar a pandemia seguir sem controle infelizmente não resultou em redução significativa da transmissão.

Agora, o país está revendo sua estratégia. Passou a atuar na redução de aglomerações e no distanciamento social em transportes coletivos, entre outras iniciativas.

A população escandinava seguiu as recomendações, mostrando-se muito mais disciplinada que os povos latinos, inclusive os brasileiros. Ainda assim, medidas restritivas cada vez mais rigorosas seguem aumentando na Suécia, assombrada pelo fantasma da redução progressiva de leitos disponíveis para acolher os mais enfermos.

Fica claro que medidas restritivas, embora sejam um remédio amargo, precisam ser adotadas para evitar a livre disseminação do vírus. Novas tecnologias, incluindo as vacinas, poderão ajudar a aumentar a imunidade populacional e, assim, evitar que o número de casos volte a aumentar. Mas enquanto elas não estão disponíveis e acessíveis para toda a população, os países precisam se preparar para enfrentar possíveis novas ondas de aumento de casos, uma vez que a imunidade populacional levará muito tempo para provocar impacto significativo no controle da pandemia.

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