Esper Kallás

Médico infectologista, é professor titular do departamento de moléstias infecciosas e parasitárias da Faculdade de Medicina da USP e pesquisador na mesma universidade.

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Esper Kallás
Descrição de chapéu Coronavírus

Guerra mundial por vacinas

A disputa pelo acesso está penalizando os países com recursos limitados

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Depois da hesitação durante boa parte de 2020, todos estão correndo atrás de vacinas para prevenir a Covid-19. O que parecia ser um sonho distante foi materializado em um dos mais fascinantes desenvolvimentos da história da medicina. Bastou um semestre para termos diversas vacinas prontas para serem usadas em dezenas de países, a principal esperança no enfrentamento da pandemia.

Quem acreditou e investiu saiu na frente. Países visionários obtiveram sucesso na implementação de programas de vacinação e estão colhendo os frutos: queda significativa de mortes, redução de internações, diminuição do número de casos. Mais que isso, recuperação econômica e paulatino retorno às atividades sociais.

Ao mesmo tempo, uma profunda fratura foi exposta: a dificuldade de alguns países no acesso às doses necessárias para proteger suas populações.

Vacinas sempre foram “o patinho feio” no lucro das indústrias farmacêuticas. Com difícil proteção de propriedade intelectual e, geralmente, preços baixos, sofrem pressão para que sejam acessíveis por razões humanitárias.

Isso mudou com a pandemia de Covid-19. A emergência mundial revirou o cenário e colocou o desenvolvimento de vacinas como uma prioridade, mas revitalizou o lucro como uma das premissas.

Os números falam por si só. De acordo com a OMS (Organização Mundial da Saúde), em 12 de março de 2021 tínhamos 81 vacinas com estudos clínicos em curso, além de outras 181 em fase de desenvolvimento inicial. Embora muitos institutos e laboratórios públicos estivessem investindo nisso, é inegável que a iniciativa privada tenha vislumbrado uma grande oportunidade.

Uma rápida revisão do número de doses projetadas pelos fabricantes, que devem estar disponíveis até o fim do ano, chega a impressionantes 16 bilhões de unidades, mais que o suficiente para vacinar toda a população mundial.

O problema é a velocidade. E aqui há interesses regionais e econômicos.

Nos últimos dias houve uma áspera troca de acusações entre representantes da União Europeia e Reino Unido e uma outra entre Austrália e países europeus sobre potenciais restrições de exportação de insumos para a produção de vacinas. Sobrou também para os Estados Unidos, que anunciaram o armazenamento de mais 100 milhões de doses, mesmo com garantias de que já teriam o bastante para vacinar toda a população americana.

A Organização Mundial do Comércio, órgão que tem o objetivo de regular e facilitar o comércio entre nações, vem buscando uma forma de minimizar o problema, tentando suspender a proteção de propriedade intelectual sobre vacinas e tratamentos (acordo Trips) de Covid-19 enquanto estivermos no auge da pandemia.

As várias rodadas fracassaram. Representantes de todos os países desenvolvidos votaram contra a suspensão, enquanto países em desenvolvimento se engajaram a favor da proposição. Com uma exceção: o Brasil. Isso mesmo, nosso país votou contra uma medida para ampliar o acesso às vacinas em países em desenvolvimento.

Não há dúvidas sobre o mercado funcionar como uma mola reguladora da produtividade, orientado pela lei de oferta e procura. Afinal, muitas vacinas foram descobertas por esse impulso. Mas é hora para isso?

No frigir dos ovos, nos resta a certeza de que precisamos investir e ampliar a capacitação local. Apesar dos heroicos esforços de instituições brasileiras (destaques para a Fiocruz e o Butantan), o país só encontrará seus próprios caminhos se fortalecer sua autonomia. Do contrário, será refém, como muitos, do protecionismo. Mesmo em momentos difíceis como este.​

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