A discussão sobre as vacinas contra Covid-19 vem sendo marcada, recentemente, pela ocorrência de alguns casos de trombose, caracterizada pela formação de coágulos que podem dificultar a circulação nos vasos sanguíneos de algumas pessoas.
Vacinas para prevenir a Covid-19 foram adotadas em vários países e empregam diferentes estratégias que simulam o encontro do novo coronavírus com o sistema de defesa.
Uma dessas estratégias manipula um vírus inofensivo para levar parte de outro para dentro do organismo. São os denominados “vetores virais”, que servem como um “cavalo de Troia”. No caso da vacina contra a Covid-19, o vetor viral carrega artificialmente em seu material genético a parte mais externa do novo coronavírus, sua “espícula”.
Para assegurar ainda mais que o vetor viral é inofensivo, são feitas modificações que impedem sua replicação. Dessa forma, o vetor é capaz de passar por uma única rodada de produção de proteínas nas células humanas, suficiente para estimular o sistema de defesa a formar anticorpos para neutralizar o novo coronavírus.
Duas vacinas já utilizadas contra a Covid-19 fazem uso desta estratégia: a Covishield, produzida pela AstraZeneca, e a vacina da Janssen, empresa da Johnson & Johnson. A primeira emprega um adenovírus identificado em chimpanzés, enquanto a segunda usa o adenovírus 26. Para surpresa dos cientistas, ambas podem estar associadas a raros casos de trombose. Ainda não se tem informações sobre uma terceira vacina, a Sputnik V, que também usa adenovírus como vetores.
Vários países colocaram restrições ao uso da Covishield depois do anúncio de casos de trombose em pessoas vacinadas com ela. Nos Estados Unidos, a agência federal de saúde suspendeu temporariamente a aplicação da vacina da Janssen, após seis casos semelhantes. A característica dos episódios é a mesma: trombose, mais comumente em mulheres jovens, entre 5 e 30 dias após a vacinação.
Alguns estudos sugerem que os adenovírus utilizados podem ter estimulado a produção de um anticorpo capaz de atacar a proteína PF4, encontrada em plaquetas, fragmentos celulares que atuam na formação de coágulos. Se confirmada esta relação, estima-se que seja bastante incomum: 4 casos por milhão de pessoas vacinadas, considerados os números disponíveis até agora. Seria, portanto, um evento adverso muito raro.
Considerada a magnitude da Covid-19, que também pode levar a quadros de trombose, não é justificável abandonar o uso dessas duas vacinas que usam vetores virais, pelo menos até que esteja disponível um número suficiente de doses de outras vacinas que não usam adenovírus.
Eventos adversos raros não são inéditos em vacinação. A imunização da febre amarela pode causar doença em 2,5 pessoas por milhão de vacinados, enquanto a Sabin, vacina oral contra a poliomielite, pode causar um caso de flacidez muscular a cada 3,5 a 4 milhões de crianças que recebem o imunizante. Ainda assim, ambas continuam sendo empregadas, pois seu impacto benéfico global é enorme.
Embora haja preocupação, a constatação destes casos pontuais de trombose e sua possível relação com as vacinas contra o novo coronavírus só foi possível graças à diligência dos projetos de pesquisa e à farmacovigilância.
O cuidado com a aplicação das vacinas contra Covid-19 tem se mostrado exemplar porque foi capaz de detectar prontamente a suspeita. Como em todas as decisões em saúde coletiva, o uso de vacinas deverá respeitar rigorosa análise de custo-efetividade que inclua no cálculo o peso desses potenciais efeitos colaterais.
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