Esper Kallás

Médico infectologista, é professor titular do departamento de moléstias infecciosas e parasitárias da Faculdade de Medicina da USP e pesquisador na mesma universidade.

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Descrição de chapéu Coronavírus

Quando o verdadeiro tratamento precoce da Covid estará disponível aos brasileiros?

Entusiastas do 'kit Covid' deveriam defender tratamentos comprovadamente eficazes e que já existem

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É estarrecedor, à luz das atuais evidências, saber que o tratamento precoce baseado no apelidado “kit Covid” foi defendido em um discurso na Assembleia-Geral da ONU. Vale lembrar que o ministro da Saúde já admitiu, publicamente, que não há dados que comprovem sua eficácia.

Há um acúmulo de informações suficientes que refutam a utilização de hidroxicloroquina, azitromicina e ivermectina no tratamento da Covid-19. Mais do que isso, já foram gastas somas excessivas de dinheiro para provar que tais medicações não funcionam e podem, mais do que isso, fazer mal.

Presidente Jair Bolsonaro discursa na Assembleia-Geral da ONU, em Nova York - Eduardo Munoz - 21.set.2021/Reuters

Imagine, contudo, se um tratamento precoce conseguisse prevenir a evolução para formas graves de Covid-19 em mais de 80%? Não seria legítimo empenhar todos os esforços para que estivesse disponível para os brasileiros?

Esse tratamento existe desde o fim de 2020. E quatro versões desses tratamentos já foram aprovadas pela Anvisa, para uso no Brasil.

O uso de anticorpos monoclonais para tratamento da Covid-19 já foi abordado nesta coluna. O assunto ganhou maior destaque desde que Donald Trump foi tratado com um coquetel de anticorpos monoclonais. Os resultados iniciais dos estudos clínicos começaram a sair em outubro de 2020, quando foi aberta a possibilidade de seu emprego em larga escala. A FDA, agência americana equivalente à Anvisa, aprovou o uso emergencial de anticorpos monoclonais no tratamento da Covid-19 logo em seguida, em novembro de 2020.

Outros estudos, com grande número de casos, não tardaram a sair. Em dezembro de 2020, os resultados foram anunciados por diferentes fabricantes, mostrando redução na progressão para doença grave superior a 80%. Um resultado extraordinário.

O reconhecimento do efeito benéfico para o tratamento foi reconhecido em 2021 pela Anvisa, que autorizou o uso do coquetel de anticorpos monoclonais da Regeneron em 20 de abril e da Eli-Lilly em 13 de maio, o anticorpo monoclonal da Celltrion em 11 de agosto, e o anticorpo monoclonal da Glaxo em 8 de setembro. Todos, quando usados precocemente, reduziram significativamente a ocorrência de doença grave.

Por que, então, ainda não temos esses produtos disponibilizados para aliviar o sofrimento e as mortes de brasileiros?

Seria pela dificuldade no uso? Não. Basta uma única infusão para que os anticorpos que atacam o novo coronavírus fiquem no corpo por semanas. Apresentam muitos efeitos colaterais? Não. Por serem constituídos de anticorpos, substâncias que já existem em todos, são muito bem tolerados, com raríssimos efeitos colaterais. São caros? Sim, entretanto a relação custo-efetividade favorece o uso, já que uma internação em UTI é caríssima e de prazo indefinido. Além disso, a concorrência já está estabelecida e há oportunidades para negociações de redução de preços, para disponibilização de uso pelo SUS.

A defesa eloquente de produtos ineficazes não é nova e é, habitualmente, contaminada por convicções pessoais infundadas, teorias conspiratórias, pouco estudo e, mais recentemente, pelo debate político polarizado. Quem não se lembra da história da fosfoetanolamina, a propalada “pílula do câncer”, que consumiu dinheiro e reputações sem demonstrar que era útil?

Quisera o mesmo entusiasmo dos que defenderam e defendem o uso de tratamento precoce com o “kit Covid” fosse direcionado para alternativas que, de fato, fariam diferença para salvar vidas.

Nossa pergunta mais urgente precisa de uma resposta igualmente célere: quando o verdadeiro tratamento precoce da Covid-19 estará disponível aos brasileiros?

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