Esper Kallás

Médico infectologista, é professor titular do departamento de moléstias infecciosas e parasitárias da Faculdade de Medicina da USP e pesquisador na mesma universidade.

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Esper Kallás
Descrição de chapéu AIDS

O que nos conta o quarto caso do paciente que se curou do HIV/Aids

Eliminar o HIV de uma pessoa vai deixando de ser um mero acaso

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Pessoas que recebem o diagnóstico de HIV/Aids são orientadas a iniciar seu tratamento tomando remédios específicos, o chamado "coquetel". São medicamentos que controlam a multiplicação do vírus e permitem que a vida normal seja resguardada, possibilitando a manutenção da integridade física, o planejamento de família e filhos.

Mas paira sempre a pergunta, frequente nas consultas médicas: quando chegará a cura? Embora se diga que a infecção tenha um ótimo controle para quem faz o acompanhamento médico e toma remédios regularmente, persiste a ameaça do preconceito, discriminação e estigma. Além da necessidade de uso permanente dos remédios, sem prazo para parar, podendo trazer alguns efeitos colaterais.

Teremos uma cura? Ela existe e foi documentada inicialmente no "paciente de Berlim". Timothy Ray Brown revelou ao mundo ter sido o primeiro paciente curado, após ter descoberto uma leucemia e ser submetido a tratamento com dois transplantes de medula óssea, na Alemanha.

Timothy Brown, conhecido como 'paciente de Berlim', primeiro paciente curado de HIV após um transplante de medula óssea
Timothy Brown, conhecido como 'paciente de Berlim', primeiro paciente curado de HIV após um transplante de medula óssea - Patricia Stavis - 12.abr.19/Folhapress

Foram muitos anos servindo como voluntário para testes e disseminando a ideia de que a cura é possível até, infelizmente, a leucemia recidivar e tirar sua vida, em setembro de 2020. Ele chegou a visitar São Paulo, onde engajou estudantes e pesquisadores na causa da cura, com entrevistas e debates com a imprensa.

Depois de Timothy ter sido curado, três outros casos parecidos ocorreram. Dois adultos e uma criança que viviam com HIV e descobriram estar com doença hematológica grave, que exigia transplante de células tronco hematopoiéticas, popularmente conhecido como transplante de medula.

O caso mais recente de cura foi anunciado durante o Congresso Mundial de Aids, que está ocorrendo em Montreal, no Canadá. Trata-se de um homem de 26 anos que vivia com HIV e foi diagnosticado com leucemia. Passadas 26 semanas após o transplante de medula, mesmo tendo suspendido o uso dos remédios do coquetel, o HIV não mais foi encontrado em seu sangue.

Em todos os quatro casos há algo em comum. Os doadores do material para o transplante têm uma mutação conhecida como CCR5delta32. Com ela, as células de defesa não apresentam um dos receptores essenciais para que o HIV se ligue, estabelecendo uma barreira à multiplicação viral.

O caso inicial do "paciente de Berlim" deixou de ser somente uma coincidência. Com quatro casos, a cura passa a figurar como um conceito possível. Mas não há como fazer transplante de medula em todos que têm o vírus.

O transplante de medula é uma das intervenções mais radicais na medicina. Basicamente, troca-se todo o sistema de produção dos elementos do sangue do paciente pelo do doador. Com isso, tenta-se eliminar células cancerígenas que deram origem, por exemplo, a uma leucemia. Para este procedimento, é necessário que os hematologistas também "desliguem" todo o sistema de defesa do paciente quando o substituem por um novo.

Dessa forma, os transplantados perdem temporariamente sua capacidade de reação a germes, ficando sujeitos a infecções graves. Outras complicações envolvem reações contra alguns órgãos e tecidos, em decorrência da mudança radical de seu sistema imune. Ainda, 10% a 20% dos pacientes podem morrer no primeiro ano após o transplante.

Por tudo isso, não há como generalizar a indicação de transplante de medula para todas as pessoas que vivem com o vírus. Estes citados ainda são casos isolados, que preenchem uma série de condições.

Entretanto, com estes casos, embora raros, um caminho de investigação foi definitivamente aberto. Que o esforço de Timothy tenha valido a pena.

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