Pessoas que recebem o diagnóstico de HIV/Aids são orientadas a iniciar seu tratamento tomando remédios específicos, o chamado "coquetel". São medicamentos que controlam a multiplicação do vírus e permitem que a vida normal seja resguardada, possibilitando a manutenção da integridade física, o planejamento de família e filhos.
Mas paira sempre a pergunta, frequente nas consultas médicas: quando chegará a cura? Embora se diga que a infecção tenha um ótimo controle para quem faz o acompanhamento médico e toma remédios regularmente, persiste a ameaça do preconceito, discriminação e estigma. Além da necessidade de uso permanente dos remédios, sem prazo para parar, podendo trazer alguns efeitos colaterais.
Teremos uma cura? Ela existe e foi documentada inicialmente no "paciente de Berlim". Timothy Ray Brown revelou ao mundo ter sido o primeiro paciente curado, após ter descoberto uma leucemia e ser submetido a tratamento com dois transplantes de medula óssea, na Alemanha.
Foram muitos anos servindo como voluntário para testes e disseminando a ideia de que a cura é possível até, infelizmente, a leucemia recidivar e tirar sua vida, em setembro de 2020. Ele chegou a visitar São Paulo, onde engajou estudantes e pesquisadores na causa da cura, com entrevistas e debates com a imprensa.
Depois de Timothy ter sido curado, três outros casos parecidos ocorreram. Dois adultos e uma criança que viviam com HIV e descobriram estar com doença hematológica grave, que exigia transplante de células tronco hematopoiéticas, popularmente conhecido como transplante de medula.
O caso mais recente de cura foi anunciado durante o Congresso Mundial de Aids, que está ocorrendo em Montreal, no Canadá. Trata-se de um homem de 26 anos que vivia com HIV e foi diagnosticado com leucemia. Passadas 26 semanas após o transplante de medula, mesmo tendo suspendido o uso dos remédios do coquetel, o HIV não mais foi encontrado em seu sangue.
Em todos os quatro casos há algo em comum. Os doadores do material para o transplante têm uma mutação conhecida como CCR5delta32. Com ela, as células de defesa não apresentam um dos receptores essenciais para que o HIV se ligue, estabelecendo uma barreira à multiplicação viral.
O caso inicial do "paciente de Berlim" deixou de ser somente uma coincidência. Com quatro casos, a cura passa a figurar como um conceito possível. Mas não há como fazer transplante de medula em todos que têm o vírus.
O transplante de medula é uma das intervenções mais radicais na medicina. Basicamente, troca-se todo o sistema de produção dos elementos do sangue do paciente pelo do doador. Com isso, tenta-se eliminar células cancerígenas que deram origem, por exemplo, a uma leucemia. Para este procedimento, é necessário que os hematologistas também "desliguem" todo o sistema de defesa do paciente quando o substituem por um novo.
Dessa forma, os transplantados perdem temporariamente sua capacidade de reação a germes, ficando sujeitos a infecções graves. Outras complicações envolvem reações contra alguns órgãos e tecidos, em decorrência da mudança radical de seu sistema imune. Ainda, 10% a 20% dos pacientes podem morrer no primeiro ano após o transplante.
Por tudo isso, não há como generalizar a indicação de transplante de medula para todas as pessoas que vivem com o vírus. Estes citados ainda são casos isolados, que preenchem uma série de condições.
Entretanto, com estes casos, embora raros, um caminho de investigação foi definitivamente aberto. Que o esforço de Timothy tenha valido a pena.
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