Ezra Klein

Colunista do New York Times, fundou o site Vox, do qual foi diretor de Redação e repórter especial

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Descrição de chapéu The New York Times tiktok

TikTok pode ser mais perigoso do que parece

Empresas chinesas, como a ByteDance, são vulneráveis aos caprichos e à vontade do governo chinês

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The New York Times

No centro do interesse frenético pela aquisição do Twitter por Elon Musk existe uma intuição que considero correta: as principais plataformas de rede social são, de uma forma difícil de definir, essenciais para a vida moderna. Podemos chamá-las de praças da cidade. Ou de infraestrutura. Elas existem em uma região obscura entre utilidade pública e interesse privado. Elas são muito importantes para que sejam confiadas a bilionários e empresas, mas isso as torna muito perigosas para serem entregues a governos.

Ainda não encontramos uma resposta satisfatória para o problema de sua propriedade e governança. Mas alguns esquemas são mais preocupantes do que outros. Há destinos piores que Musk.

Logo do aplicativo Tik Tok
Logo do aplicativo Tik Tok - Dado Ruvic - 11.fev.22/Reuters

O TikTok, como o conhecemos hoje, tem apenas alguns anos. Mas seu crescimento é algo nunca visto antes. Em 2021, teve mais usuários ativos do que o Twitter, mais minutos de exibição nos EUA do que o YouTube, mais downloads de aplicativos do que o Facebook, mais visitas ao site do que o Google.

O aplicativo é mais conhecido por tendências virais de dança, mas houve uma época em que o Twitter tinha limite de 140 caracteres em cada post e o Facebook era restrito a universidades de elite. As coisas mudam. Talvez já tenham mudado. Semanas atrás, dei uma palestra numa faculdade presbiteriana na Carolina do Sul e perguntei a alunos onde gostavam de receber notícias. Quase todos disseram TikTok.

O TikTok é de propriedade da ByteDance, uma empresa chinesa. E as empresas chinesas são vulneráveis aos caprichos e à vontade do governo chinês. Não há ambiguidade possível neste ponto: o Partido Comunista Chinês passou grande parte do ano passado reprimindo seu setor de tecnologia. Eles fizeram de Jack Ma, o fundador do Alibaba, um exemplo especial. A mensagem era inconfundível: os CEOs agirão de acordo com os desejos do partido ou terão suas vidas reviradas e suas empresas desmembradas.

Em agosto de 2020, o ex-presidente americano Donald Trump assinou uma ordem executiva insistindo que o TikTok fosse vendido para uma empresa americana —ou então seria proibido nos Estados Unidos. No outono no Hemisfério Norte, a ByteDance estava procurando um comprador, com Oracle e Walmart como pretendentes mais prováveis, mas Joe Biden venceu a eleição presidencial, e a venda foi suspensa.

Em junho, Biden substituiu a ordem executiva de Trump, que foi escrita de forma descuidada e contestada com sucesso na Justiça, por uma de sua autoria. O problema, como define a ordem de Biden, é que aplicativos como o TikTok "podem acessar e capturar vastas áreas de informações dos usuários, incluindo informações pessoais de cidadãos americanos e informações comerciais exclusivas". "Essa coleta de dados ameaça dar a adversários estrangeiros acesso a essas informações."

Vamos chamar isso de problema de espionagem de dados. Aplicativos como o TikTok coletam dados dos usuários. Esses dados podem ser valiosos para governos estrangeiros. É por isso que o Exército e a Marinha baniram o TikTok dos telefones de trabalho dos soldados e que o senador Josh Hawley escreveu um projeto de lei para proibi-lo em todos os equipamentos do governo.

O TikTok está trabalhando em uma resposta: "Projeto Texas", um plano para hospedar dados de clientes dos EUA em servidores nos EUA e, de alguma forma, restringir o acesso de sua empresa matriz.

Mas, como escreveu Emily Baker-White, do BuzzFeed News, em um excelente relatório, "o Projeto Texas parece ser principalmente um exercício de geografia bem situado para abordar as preocupações sobre o acesso do governo chinês a informações pessoais de americanos". "Mas não aborda outras maneiras como a China poderia utilizar a plataforma, tais como adaptar os algoritmos do TikTok para ampliar a exposição a conteúdo divisivo ou ajustá-la para semear ou incentivar campanhas de desinformação."

Vamos chamar isso de problema de manipulação. O verdadeiro poder do TikTok não é sobre nossos dados. É sobre o que os usuários assistem e criam. É sobre o algoritmo opaco que governa o que é visto e o que não é. O TikTok está cheio de vídeos que apoiam a narrativa russa sobre a guerra na Ucrânia.

A Media Matters, por exemplo, rastreou uma campanha aparentemente coordenada, conduzida por 186 influenciadores russos que normalmente postam dicas de beleza, vídeos de "pegadinhas" e fofocas.

E sabemos que a China vem ampliando a propaganda russa em todo o mundo. Quão confortáveis estamos em não saber se o Partido Comunista decidiu influir em como o algoritmo trata esses vídeos? Quão confortáveis estaremos numa situação semelhante daqui a cinco anos, quando o TikTok estiver ainda mais enraizado na vida dos americanos e a empresa tiver a liberdade que talvez não sinta hoje para operar como bem entender?

Imagine um mundo em que os EUA tenham uma eleição presidencial contestada, como aconteceu em 2020 (para não falar de 2000). Se um candidato fosse mais amigável aos interesses chineses, o Partido Comunista poderia insistir para a ByteDance dar um empurrão no conteúdo favorável a esse candidato?

Ou se quisessem enfraquecer os EUA em vez de moldar o resultado, talvez o TikTok começasse a exibir mais vídeos sobre conspirações, semeando o caos no momento em que o país está perto de uma fratura.

Os bilhões de usuários do TikTok não acham que estão vendo uma operação de propaganda do governo chinês porque, na maioria das vezes, não estão. Estão assistindo a tutoriais e receitas de maquiagem, vídeos de sincronização labial e danças engraçadas. Mas isso o tornaria um canal de propaganda ainda mais poderoso, se fosse implantado. E, como cada feed do TikTok é diferente, não temos como saber o que as pessoas estão vendo. Seria extremamente fácil usá-lo para moldar ou distorcer a opinião pública, e fazê-lo silenciosamente, talvez de modo não rastreável.

Para tudo isso, estou sugerindo um princípio simples, embora não seja simples de aplicar: nossa atenção coletiva é importante. Quem (ou o que) controla nossa atenção controla, em grande medida, nosso futuro.

As plataformas de rede social que prendem e moldam nossa atenção precisam ser regidas pelo interesse público. Isso significa saber quem as está realmente administrando, e como. Não tenho certeza de qual proprietário de rede social preenche atualmente esse critério. Mas estou certo de que a ByteDance não preenche. Nisso, Donald Trump estava certo, e o governo Biden precisa terminar o que começou.

Tradução de Luiz Roberto M. Gonçalves

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