Ezra Klein

Colunista do New York Times, fundou o site Vox, do qual foi diretor de Redação e repórter especial

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Seus filhos não estão condenados por causa da crise climática

É mais fácil imaginar o fim do mundo do que o da poluição por carbono

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The New York Times

Nos últimos anos, me fizeram uma pergunta mais que qualquer outra. Ela surge em discursos, jantares, conversas. É a indagação mais comum quando abro meu podcast para sugestões. E vem em duas formas: 1. Devo ter filhos, já que eles enfrentarão uma crise climática? 2. Devo ter filhos, sabendo que contribuirão para a crise climática que o mundo enfrenta?

Não sou só eu. Uma pesquisa da Morning Consult de 2020 descobriu que um quarto dos adultos sem filhos diz que as mudanças climáticas são parte do motivo pelo qual fizeram essa opção. Análise do Morgan Stanley descobriu que a decisão de "não ter filhos devido ao medo da crise climática está impactando as taxas de fertilidade mais rapidamente do que qualquer tendência anterior".

Mas uma coisa eu notei, depois de anos de reportagens sobre o tema: pessoas que dedicaram a vida a combater mudanças climáticas continuam a ter filhos. Então comecei a lhes perguntar por quê. "Rejeito inequívoca, científica e pessoalmente a noção de que as crianças estejam de alguma forma condenadas a uma vida infeliz", disse-me Kate Marvel, cientista climática na Universidade Columbia.

Incêndio na reserva extrativista Jaci-Paraná, em Rondônia
Incêndio na reserva extrativista Jaci-Paraná, em Rondônia - Christian Braga - 18.ago.20/Greenpeace

Preocupo-me, ao escrever, que isto seja interpretado como uma rejeição do sofrimento que as mudanças climáticas vão desencadear. Não é. Uma avaliação de quão ruim foi o passado deveria aprofundar nossa fúria diante da imprudência com que nosso futuro é tratado. Fizemos tanto para construir um dique entre nós e o mundo impiedoso, tanto para tornar o futuro melhor que o passado. Devolver qualquer parte disso ou impedir o progresso que poderíamos ter de outra forma é pior que uma tragédia. É um crime.

Mas esse, e não o apocalipse, é o caminho mais provável que trilhamos. Isso, por mais estranho que pareça, é o progresso. Como observa Zeke Hausfather, muitas estimativas confiáveis de uma década atrás nos colocam no caminho de uma temperatura média global 4 °C ou 5 °C mais alta que os níveis pré-industriais, até 2100. Seria um cataclismo. Mas a queda do custo da energia limpa e a crescente ambição da política climática mudaram isso.

O rastreador da Ação Climática situa nossa atual trajetória de políticas em cerca de 2,7 °C de aquecimento até 2100. Se os compromissos que os governos mundiais fizeram desde o Acordo de Paris se mantiverem, estamos a caminho de um aumento de 2 °C ou até menos.

E há mais motivos para otimismo. Um dos artigos realmente emocionantes que li nos últimos anos trazia o título de "Previsões da tecnologia empiricamente fundamentada e a transição energética".

Os autores analisaram mais de 2.900 previsões de quão rápido o custo da instalação de energia solar cairia de 2010 a 2020. A previsão média foi de 2,6% ao ano, nenhuma foi superior a 6%. Mas os custos na verdade caíram 15% ao ano. Outras tecnologias tiveram quedas semelhantes. Se essas curvas se mantiverem —e elas poderão se acentuar se apoiadas por políticas melhores—, então estamos, mesmo agora, subestimando o possível caminho do progresso.

Mas a esperança não é um plano. E ninguém deve confundir 2,5 °C de aquecimento (ou mesmo 2 °C) com sucesso. Causaremos danos incalculáveis a ecossistemas, haverá secas agravadas, inundações, fomes, ondas de calor. Teremos branqueado recifes de coral, acidificado o oceano, levado à extinção de inúmeras espécies. Milhões, talvez dezenas de milhões, de pessoas morrerão com o aumento do calor e mais serão mortas por consequências indiretas da crise. Muitas mais ainda serão forçadas a fugir de casa ou viver uma vida de profunda pobreza ou sofrimento. Teremos roubado toda sua possibilidade de florescimento.

Tudo isso, porém, descreve o mundo em que habitamos, não só o que estamos criando. Os modelos climáticos nos forçam a enfrentar vastas extensões de sofrimento futuro que, se estivessem acontecendo ao nosso redor, poderíamos deixar de ver. Como meu colega David Wallace-Wells —pai de dois filhos e autor de "The Uninhabitable Earth" (a Terra inabitável)— me escreveu: "O que parece um apocalipse em perspectiva muitas vezes parece mais uma normalidade sombria quando chega ao presente". Ufa.

Isso não é mera abstração ou previsão. A evidência de que ignoramos o sofrimento em massa está ao nosso redor. Estamos a ignorá-lo hoje, assim como fizemos ontem e faremos amanhã. "Estima-se que 20 milhões de pessoas morreram de Covid e agora superamos isso. O que fazemos com isso?", Wallace-Wells me escreveu. "Dez milhões de pessoas por ano morrem de poluição do ar. O que fazemos com isso?"

Isso reflete uma faceta do nosso futuro que as conversas sobre as perspectivas de vida de crianças ricas nos EUA obscurecem. É verdade que a mudança climática afetará ricos e pobres. Não é verdade que ela os afetará igualmente. Os californianos ricos que respiram a fumaça de incêndios florestais não estão enfrentando o sofrimento dos pobres de Bangladesh cujas casas estão na rota dos ciclones.

A mudança climática é e será motor da desigualdade global. Pessoas e países mais ricos comprarão sua saída das piores consequências, muitas vezes usando a riqueza acumulada pela queima de combustíveis fósseis. O medo sobre o futuro que nossos filhos enfrentarão, quando expresso por moradores abastados de países ricos, às vezes me parece uma transferência de culpa para terror. Enfrentar o que fizemos aos outros é inimaginável. É mais fácil, de alguma forma, imaginar que o fizemos a nós mesmos.

Isso leva à segunda versão da pergunta: é imoral ter filhos sabendo que os moradores dos países ricos são responsáveis por tanta emissão de carbono? Esse argumento reformula não ter filhos como uma forma de indenização climática. Populações de países ricos usam mais recursos do que as de países pobres. Menos população significa menos uso de recursos.

Fredric Jameson, crítico literário marxista, é frequentemente creditado pela observação de que é mais fácil imaginar o fim do mundo do que o do capitalismo. Limite semelhante à nossa imaginação política espreita a conversa: é mais fácil imaginar o fim do mundo do que o da poluição por carbono.

"Quase toda a poluição é determinada pela estrutura da sociedade", disse-me Leah Stokes, cientista política na Universidade da Califórnia em Santa Barbara. "O objetivo é desfazer essa estrutura para que as crianças possam nascer em uma sociedade que não emita poluição por carbono. Esse é o projeto."

E é factível. As emissões de carbono per capita nos EUA caíram de mais de 22,2 toneladas em 1973 para 14,2 toneladas em 2020. E podem cair muito mais. Os alemães emitiram 7,7 toneladas de carbono por pessoa em 2020. Os suecos, 3,8. "Em um mundo zero líquido, ninguém tem pegada de carbono e poderíamos parar de tabular a culpa contando bebês", disse Wallace-Wells.

Descarbonizar a sociedade é abraçar um mundo melhor, por razões muito além das mudanças climáticas.

"Os benefícios imediatos das ações de mitigação climática são espetaculares: melhor qualidade do ar, melhores resultados na saúde, redução da desigualdade", escreveu Marvel. "Eu quero essas coisas. Também quero reflorestamento, restauração costeira. Estou animada, mas não contando com isso, com novas tecnologias incríveis, como a remoção de carbono por baixo custo e a fusão nuclear. Estou mais empolgada com tecnologia sem graça, mas eficaz, como bombas de calor e linhas de transmissão."

Eu não apenas prefiro um mundo de emissões líquidas zero a um mundo de crianças líquidas zero. Acho que esses mundos estão em conflito. Enfrentamos um problema de política, não de física. O futuro verde tem que ser acolhedor, emocionante. Se as pessoas não puderem se ver nele, lutarão para detê-lo. Se o custo de se preocupar com o clima é renunciar a ter uma família, ele será muito alto. Um movimento climático que abrace o sacrifício como resposta ou temperamento pode fazer mais mal do que bem. Pode acidentalmente sacrificar o apelo político necessário para tornar real o mundo de emissões líquidas zero.

Meus filhos viverão uma história que não posso escrever e não posso controlar. Será a história deles. Tornar-se pai é sentir, todos os dias, o peso, a esperança e o terror desse fato. Não posso dizer se é a escolha certa para você, mas nenhum modelo climático pode, também.

Tradução de Luiz Roberto M. Gonçalves

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