Ezra Klein

Colunista do New York Times, fundou o site Vox, do qual foi diretor de Redação e repórter especial

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Descrição de chapéu The New York Times aborto

Limitar mandato de juízes poderia combater polarização na Suprema Corte dos EUA

Partidos procuram nomear magistrados mais jovens para garantir que eles mantenham o poder no futuro

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The New York Times

No final do período que antecedeu a eleição presidencial de 2020, enquanto o líder dos republicanos no Senado, Mitch McConnell, corria para substituir a juíza Ruth Bader Ginsburg por Amy Coney Barrett, a esquerda começou a pressionar Joe Biden para que apoiasse o acréscimo de cadeiras à Suprema Corte.

Biden respondeu fazendo o que os políticos fazem quando se deparam com um assunto sobre o qual não querem pensar: prometeu criar uma comissão para estudar o caso.

Essa comissão apresentou seu relatório em dezembro de 2021 e, até onde sei, o desinteresse de Biden foi confirmado. Apesar de toda a fúria na Suprema Corte nas últimas semanas, o governo parece não ter mencionado o relatório ou qualquer das opções que ele levantou. Talvez isso seja apenas uma admissão da realidade política. Os democratas não têm votos suficientes para modificar o tribunal.

O presidente dos EUA, Joe Biden, durante pronunciamento na Casa Branca, em Washington
O presidente dos EUA, Joe Biden, durante pronunciamento na Casa Branca, em Washington - Samuel Corum - 8.jul.22/AFP

Mas o governo Biden precisa mudar a realidade política, não apenas aceitá-la. O perigo que os democratas enfrentarão em novembro é a desesperança e a apatia em sua base. Por que votar se nada será aprovado de qualquer maneira e se a Suprema Corte vai eliminar tudo o que escapar ao bloqueio republicano?

Os democratas precisam dar à sua base algo em que votar. Uma dessas respostas poderia ser um plano para reparar o tribunal –que vá além de restaurar Roe vs Wade e demonstre uma visão mais profunda para reimaginar o sistema político dos EUA numa época de crise. Isso pode exigir anos ou décadas, mas se os progressistas precisam de inspiração, eles podem olhar para o esforço de décadas que a direita armou para derrubar Roe.

O relatório da comissão não endossa qualquer plano específico. Em vez disso, ao longo de quase 300 páginas, considera vários planos e expõe os argumentos a favor e contra eles.

Não vou tentar resumi-lo aqui. Em vez disso, vou expor como ele me deixou, enquanto leitor, pensando na reforma da corte. (Outros, incluindo os comissários que produziram o relatório, chegaram a conclusões diferentes e contraditórias, o que é uma prova da imparcialidade e amplitude que baseiam o relatório.)

Nos Federalist Papers No. 78, Alexander Hamilton escreveu que o Judiciário "não tem influência sobre a espada ou a Bolsa; nenhum direcionamento da força ou da riqueza da sociedade; e não pode tomar nenhuma resolução ativa. Pode-se realmente dizer que não tem força nem vontade, apenas julgamento".

O debate sobre a Suprema Corte tende a girar em torno da palavra "legitimidade". O medo é que o tribunal perca sua legitimidade, seja lá o que isso signifique. Mas a palavra que Hamilton usa é mais interessante: "julgamento".

Considero que o problema da atual Suprema Corte é que não há razão para confiar em seu julgamento, e há muitas razões para desconfiar. O processo de escolha de nomeados é completamente politizado. O processo pelo qual as cadeiras são abertas e o tribunal é renovado é completamente politizado, exceto quando a morte interfere no momento preferido de um juiz para se aposentar. Casos críticos são decididos com frequência em votações partidárias, confundindo a ideia de que o tribunal fala como uma instituição, em nome da Constituição, e não como nove nomeados políticos ideologicamente previsíveis.

O tribunal –assim como o resto do sistema político americano– não foi criado para uma era de partidos políticos polarizados. Supõe-se que seja um controle sobre os outros Poderes, não um amplificador do poder que os partidos exercem sobre eles. Seu problema é uma incompatibilidade entre o sistema político para o qual foi projetado e o sistema que realmente temos. Então a questão é: como seria o tribunal se fosse projetado para esta época? Que reformas tornariam o julgamento do tribunal mais confiável?

Na minha opinião, a ampliação do tribunal, ideia que possivelmente lançou a comissão, falha nesse teste. Não é porque acrescentar juízes seria uma ruptura radical com a prática anterior. Adicionar e remover juízes era prática comum em 1800, em parte como forma de gerir a carga de trabalho do tribunal e em parte como forma de controlá-lo.

Mas não se pode consertar o tribunal acrescentando juízes. Seria mudar o equilíbrio de poder contribuindo para o problema fundamental, transformando o tribunal em uma instituição inconfiável e desencadeando um ciclo de represálias com consequências desconhecidas. Se os democratas conseguirem aprovar um projeto de lei que acrescente juízes, os republicanos os igualariam ou excederiam assim que fossem restaurados ao poder, e assim por diante. Para que uma solução se mantenha, precisa ser defensável além deste momento da política americana. Muitas outras ideias passam nesse teste.

Vamos começar com a mais fácil: limites de mandato. A nomeação vitalícia não significou, durante a maior parte da história americana, o que significa hoje. A comissão observa que, até a década de 1960, o tempo médio de serviço na corte era de 15 anos. Hoje é de 26 —e talvez aumente. À medida que as apostas partidárias das nomeações para a Suprema Corte se aguçaram, a expectativa de vida tornou-se mais uma variável no jogo: os partidos estão procurando os juízes mais jovens que possam escolher com credibilidade para garantir que seus indicados mantenham o poder no futuro.

Pior, como os juízes se aposentam estrategicamente, o poder no tribunal hoje constrói o poder mais à frente. Como observa a comissão, Donald Trump "nomeou três juízes em seu único mandato de quatro anos; seus predecessores democratas imediatos, os presidentes Barack Obama, Bill Clinton e Jimmy Carter, fizeram apenas quatro nomeações em 20 anos somados". As nomeações vitalícias destinavam-se a isolar os juízes da política. Em vez disso, elas se tornaram um promotor da politização do tribunal.

Limitar os juízes a mandatos de 18 anos reuniu uma quantidade razoável de apoio bipartidário ao longo dos anos. Rick Perry, ex-governador do Texas, propôs isso em sua campanha presidencial de 2012. A comissão observa que, quando o Centro Nacional de Constituição convocou grupos separados de juristas liberais e conservadores para considerar a reforma do tribunal, ambos acabaram propondo mandatos de 18 anos. Isso também conta com a força da prática internacional.

Pode-se pensar nos limites de mandato como uma espécie de politização saudável do tribunal, destinada a combater sua politização doentia. Mandatos de 18 anos significariam, com o tempo, que os presidentes poderiam fazer duas nomeações por mandato. Uma Presidência de dois mandatos teria quatro nomeações —não exatamente a maioria do tribunal, mas o suficiente para garantir que ele não fique muito fora de sintonia com a população americana. Também diminuiria as apostas em qualquer vaga ou qualquer decisão, porque as vagas se tornariam previsíveis e comuns.

Mas também há necessidade de despolitizar o tribunal e protegê-lo da política. Agora parece improvável que os assentos vagos possam ser preenchidos quando a Casa Branca e o Senado são controlados por partidos opostos, aumentando a possibilidade de longos períodos de tempo em que o tribunal tenha falta de pessoal. (McConnell já disse que é "altamente improvável" que ele deixe Biden preencher uma cadeira na Suprema Corte se os republicanos retomarem o Senado em 2022).

Mas a comissão tem uma ideia interessante para isso. Se o Senado não puder influenciar ou confirmar dois indicados à Suprema Corte em determinado período de tempo, o impasse poderia desencadear um novo processo no qual os juízes-chefes dos Tribunais de Apelação federais votariam no próximo indicado. Não é uma solução perfeita, e os detalhes precisariam ser trabalhados, mas pelo menos fortalece um pouco o processo contra a obstrução partidária prolongada.

Mais radical é a ideia de uma "bancada equilibrada". A comissão não discute essa ideia em detalhe, exceto principalmente para criticar, mas acho que vale a pena considerá-la. A bancada equilibrada é uma proposta de Daniel Epps e Ganesh Sitaraman, ambos professores de direito, de dividir as cadeiras da Suprema Corte de uma nova maneira: ambos os partidos teriam cinco juízes, e então esses dez seriam convocados para concordar, por unanimidade ou quase, sobre mais cinco.

Os méritos da proposta da bancada equilibrada estão perfeita, ainda que acidentalmente, resumidos na crítica da comissão à ideia.

"Um requisito explícito de que os juízes sejam afiliados a partidos específicos restringiria o conjunto de possíveis candidatos e reforçaria a noção de que os juízes são atores partidários. Mesmo aceitando o fato de que os julgamentos dos ministros têm implicações políticas e motivações ideológicas, essa identificação próxima dos ministros com partidos políticos poderia prejudicar a percepção de independência judicial, importante para a aceitação e o cumprimento das decisões do tribunal."

A juíza Ketanji Brown Jackson faz juramento ao lado do marido, Patrick Jackson (com a Bíblia), ao tomar posse na Suprema Corte dos EUA
A juíza Ketanji Brown Jackson faz juramento ao lado do marido, Patrick Jackson (com a Bíblia), ao tomar posse na Suprema Corte dos EUA - Suprema Corte dos EUA - 30.jun.22/via AFP

Sim, seria uma pena reforçar a percepção acurada de que os indicados à Suprema Corte, escolhidos por partidos políticos, amplamente examinados quanto à confiabilidade ideológica, possam ser, em algum nível, atores partidários. A segunda frase é ainda mais extraordinária: ainda que seja verdade que os ministros têm "motivações ideológicas", devemos agir como se não fosse verdade, pois uma compreensão acurada do Judiciário pode prejudicar "a aceitação e o cumprimento" de suas decisões.

Esse é um argumento para a negação, quando o que precisamos é de acordo. Para ser justo com a comissão, negar o papel central que partidos desempenham no sistema político é tradição respeitada.

Os EUA são hoje ambivalentes em relação a seus partidos. Os fundadores não os previram, embora os tenham criado. O discurso de despedida de George Washington é famoso por seu ataque aos partidos, mesmo que seja, na realidade, uma intervenção em nome dos federalistas nascentes. Hoje, números recordes de americanos se identificam como independentes, mesmo que sejam mais previsivelmente partidários em seu comportamento eleitoral do que em qualquer outro momento da história americana.

Uma questão central em qualquer sistema político é como equilibrar o poder para que todos os lados tenham interesse no sucesso continuado do sistema. O problema do nosso sistema é que estamos equilibrando o poder de lugares em vez de partidos.

Os idealizadores acreditavam que a política dos estados estruturaria nossa política. "Muitas considerações [...] parecem colocar fora de dúvida que a primeira e mais natural ligação do povo será com o governo de seus respectivos estados", escreveu James Madison no Federalist No. 46. E assim o Senado equilibra o poder dos estados igualmente, e a estrutura do Colégio Eleitoral e da Câmara dá ao meio rural um reforço na representação política.

Mas os idealizadores estavam errados. Os partidos políticos são nossos principais vínculos políticos, e isso é verdade há décadas. Talvez a Suprema Corte deva ser um lugar que equilibre seu poder, mais que outro meio pelo qual eles disputem o domínio.

Tratamos a estrutura rangente e rachada do governo americano com uma estranha mistura de admiração e fatalismo; ou achamos de certa forma herético questioná-la, ou somos tão pessimistas sobre a perspectiva de mudança que nem nos interessamos.

Mas mergulhar na história da reforma do tribunal, como faz a comissão, é lembrar que a Suprema Corte foi imaginada por mentes humanas e feita e refeita por mãos humanas. Honramos a ideia do experimento americano, mas perdemos o espírito de experimentação que o fez funcionar. Não descobrimos a estrutura ideal para a Suprema Corte, de uma vez por todas, em 1869. Nossos precursores fizeram o melhor para os tempos em que viveram. Está na hora de fazermos o nosso.

Tradução de Luiz Roberto M. Gonçalves 

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