Fabrício Corsaletti

Poeta e cronista, autor de "Esquimó" e "Perambule".

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Fabrício Corsaletti

Chichico e Bandeira

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Ilustração da coluna de Fabricio corsaletti
Romolo

Que os estudiosos de Manuel Bandeira não morram de inveja, sou apenas um cronista, isto é, um não especialista, não um crítico ou um pesquisador, mas ontem à noite, sem querer, um dos mistérios de sua poesia me foi revelado. Pretendo ser claro e preciso e, com isso, contribuir pra fortuna crítica desse poeta tão especial, que tantas alegrias já deu aos leitores de língua portuguesa.

Por volta das sete e meia, saí de casa pra comer alguma coisa e, na sequência, visitar a exposição de fotografias de Chichico Alkmim (1886-1978) no Instituto Moreira Salles, na avenida Paulista. Mineiro de Diamantina, Chichico retratava as pessoas de sua cidade em poses convencionais, na linguagem da época, porém com uma capacidade impressionante de lhes apanhar a um só tempo as generalidades épicas e as tragédias e as doçuras individuais.

De outro modo: não era um artista, era um fotógrafo profissional (como tantos outros da sua época e da nossa) com um talento raro. Mas não é de Chichico (que nome simpático; Chichico deve ter sido um bom amigo) que quero falar. Ou não exatamente.

Indo direto ao ponto: entre os trabalhos expostos de Chichico, há uma ampliação enorme (152 x 110 cm) de uma cena incrivelmente artificial, premeditada, mas também natural, sensual e divertida. São três mulheres, duas em pé e uma sentada, ao redor de uma mesa sobre a qual estão duas garrafas de vinho e duas maçãs (ou mexericas?). Cada uma segura uma taça cheia e mira um ponto diferente; nenhuma olha pra câmera.

A coisa toda se passa ao ar livre, num jardim, e a do meio, cotovelo apoiado na mesa, rosto andrógino de Baco ou Pã, tem uma coroa de flores na cabeça. Os vestidos são claros e compridos, com babados. Tudo recende a provincianismo e a um mal disfarçado desejo de viver. A imagem é de 1920.

Quando bati os olhos nela, alguma coisa se mexeu dentro de mim. Eu conhecia aquelas mulheres de algum lugar. Mas não era possível. Fiquei angustiado e continuei a andar pelo salão, sem conseguir prestar atenção em nada.

Então a ficha caiu: aquelas três cachaceiras maravilhosas só podiam ser as três mulheres do sabonete Araxá, da famosa balada de Bandeira. As três mulheres do sabonete Araxá me invocam, me bouleversam, me hipnotizam./ Oh, as três mulheres do sabonete Araxá às 4 horas da tarde!/ O meu reino pelas três mulheres do sabonete Araxá! Sim, eram elas! Nenhuma chance de eu estar enganado. As três mulheres do sabonete Araxá, de quem sou íntimo, na minha imaginação, há quase 30 anos.

Muito já se escreveu a respeito desses versos e de sua origem. Sei que o poeta afirmava que eram inspirados num cartaz do tal sabonete que ele viu em Teresópolis, numa venda. Mas a gente sabe que os poetas adoram mentir. Bandeira era um sujeito discreto, não queria comprometer ninguém, quanto mais três moças mineiras que logo depois se casariam com patriarcas ciumentos. Era conveniente dizer que a ideia lhe veio de uma propaganda, que além do mais lhe permitia criar o tipo de metáfora antiliterária típica do primeiro modernismo.

Pra mim é claro como um diamante de Minas. Se alguém não ficou convencido, que vá até o IMS e tire as suas conclusões.

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