Fabrício Corsaletti

Poeta e cronista, autor de "Esquimó" e "Perambule".

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Fabrício Corsaletti
Descrição de chapéu cerveja

Dias caribenhos

Nunca pensei que fosse me apaixonar por uma camisa

Romolo

Há dois ou três meses, em São Sebastião das Três Orelhas, Minas Gerais, tomei uma cerveja de Taubaté chamada Los Días (sem acento, mas vou acentuar pra não criar caso com meu editor). Uma APA (american pale ale) deliciosa e, graças a Deus, pouco perfumada.

(No mundo das cervejas artesanais, às vezes surgem uns rótulos tão perfumados que, quando os experimento, tenho a angustiante impressão de que meu alcoolismo se antecipou em duas décadas e já estou mamando escondido o J’adore Dior da minha mulher.)

Deliciosa e pouco perfumada, dizia, mas gostei mesmo foi do nome, Los Días, impresso em preto contra um fundo rosa na garrafa baixa e bojuda de 600 ml. Los Días, Los Días, murmurava loucomansamente...  e los días passavam na minha imaginação –cortados por ventos como toda aventura. Areia branca e mar verde-esmeralda. Ruas estreitas com bares escondidos. Mescal e rum. Trompetes e tambores. Lua de osso e estrelas encharcadas.

Nunca pensei que fosse me apaixonar por uma camisa.

Conhecer nuestros hermanos e falar mal do Brasil. Sentir saudade de Luiz Gonzaga e cantar baixinho a letra de Zé Dantas: “pra ver o meu brejinho, fazer uma caçada, ver as pegá de boi, andar nas vaquejada, dormir ao som do chocalho e acordar com a passarada, sem rádio e sem notícia das terra civilizada”.

Passar o resto da viagem com “Riacho do Navio” na cabeça.

À tarde, no hotel, deixar entreaberta a porta do balcão. Uma jarra de água. A toalha de banho. A delícia de entrar no chuveiro sem culpa. Reler um poema de García Lorca antes de encarar algum romance contemporâneo sobre a dificuldade de se construir um relacionamento holisticamente verdadeiro numa coletividade pátria manipulada por gênios da psicologia pet em novas redes uber-sociais cancerumanas. Cuma?

— Super cápsula pré-maturada, com descabelamento à direita –diria o personagem de Mario Monicelli.
Fecho o livro e ponho a mão na coxa quente da minha mulher. Ouço os ruídos da cidade lá fora. E deixo que a brisa caribenha traga tudo o que vive perto de mim pra junto do fogo.

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