Fernanda Mena

Jornalista, foi editora da Ilustrada. É mestre em sociologia e direitos humanos pela London School of Economics e doutora em Relações Internacionais.

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Bolsonaro é evocado em ataques e intimidações contra pessoas LGBT, mas a culpa é dele?

Há tempos o candidato tenta minorar sua pecha de homofóbico, mas seu passado não ajuda

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​No dia seguinte ao primeiro turno das eleições, uma nova pichação no banheiro masculino das faculdades Unitaal, em Atibaia (SP) surpreendeu os estudantes: "Bolsonaro 17, extermínio de gays".

Na mesma segunda-feira, no Liceu Franco-Brasileiro, escola de elite do Rio de Janeiro, foi a vez de o banheiro feminino receber outra intimidação: "Sapatas vão morrer, kkk".

Ambas instituições repudiaram as mensagens em comunicados e circulares.

Se a parede do banheiro aceita tudo e garante o anonimato, o mesmo não se pode dizer dos contatos sociais, em que ameaça, injúria e agressões são crimes previstos no Código Penal.

O candidato à presidência da república Jair Bolsonaro (PSL) durante carreta nas cidades de Ceilândia e Taguatinga, região metropolitana de Brasília - Pedro Ladeira - 9.mai.2018/Folhapress

Nos últimos dias, no entanto, pessoas lésbicas, gays, bissexuais e trans —que respondem pela sigla—LGBT de várias regiões do país foram alvo de cusparadas e apedrejamentos, ouviram gritos e ameaças de morte, sempre acompanhados do nome do candidato Jair Bolsonaro (PSL). "Essa farra vai acabar", "Bicharada, toma cuidado, o Bolsonaro vai matar viado" e frases afins vêm sendo repetidas nas redes e nas ruas.

O ex-capitão do Exército veio a público dizer que dispensa "voto ou qualquer aproximação de quem pratica violência contra eleitores que não votam" nele. Ele provavelmente se referia ao assassinato, por eleitor declarado seu, do mestre de capoeira Moa do Katendê, em Salvador na madrugada de segunda. Nada foi dito sobre ameaças à comunidade LGBT.

Há tempos o candidato tenta minorar sua pecha de homofóbico, mas seu passado não ajuda —nem o gesto que transformou em marca, no qual simula armas de fogo com as mãos e atira.

Bolsonaro já declarou ser "incapaz de amar um filho homossexual", admitindo preferir vê-lo morto do que ao lado de outro homem, também afirmou que "ninguém gosta de homossexuais", apenas os suporta, e que orientação homossexual é "falta de porrada".

O produtor de moda Felipe Lago, 29, é contraexemplo da tese do ex-capitão. Aos 14 anos, foi golpeado na cabeça tantas vezes, aos gritos de "viadinho", que perdeu os sentidos. Sofreu traumatismo craniano. O crime foi registrado na polícia de Brasília. "Nunca deu em nada", lamenta.

Nesta semana, nas ruas de Pinheiros, bairro descolado de São Paulo, o produtor ouviu de três homens que caminhavam atrás dele: "Isso aí na frente vai deixar de existir porque Bolsonaro vai matar viado".

"Eu voltei pra casa apavorado e resolvi que tinha de fazer alguma coisa. Postei um relato nas redes e comecei a receber muitas mensagens de gente que havia passado por situações semelhantes", conta.

Lago resolveu então criar o perfil @elenaovainosmatar no Instagram para registrar relatos de agressões e intimidações a essas minorias. Em pouco mais de 24 horas, já tinha 66 mil seguidores. No fechamento desta coluna, eram 83 mil.

Em boa parte dos posts, ele pede que as pessoas denunciem agressões ao Disque 100, o serviço do Ministério de Direitos Humanos. Os dados mais recentes de crimes contra LGBTs denunciados ao Disque 100 vão até setembro e não registraram aumentos —pelo contrário, fora os estados de São Paulo, Piauí e Goiás, houve grande queda nos relato de crimes homofóbicos entre 2017 e 2018.

"A impressão é de que esse tipo de caso está mais frequente nesta semana e envolve pessoas mais violentas", relata. "Muita gente me procura e pede que eu não publique nada. Só querem conversar sobre o medo dessa onda. O que querem é mesmo que a gente tenha medo, tenha pânico."

E o medo, para ele, é a maior derrota que as pessoas LGBT podem sofrer.​

O escritor e cineasta João Silvério Trevisan, 72, autor da clássica historiografia da sexualidade brasileira, "Devassos no Paraíso" (ed. Objetiva), acredita que as manifestações de ódio contra homossexuais, mas também contra mulheres, sejam expressão "da perda de espaço dos homens e de seu medo de serem subjugados". ​

"Com o desempenho de Bolsonaro, esses homens estão se sentindo os donos do pedaço". Para ele, que critica os governos de esquerda por terem sido "inócuos na pauta LGBT", o que se quer agora é "espalhar o pânico, estratégia comum aos regimes autoritários porque isso faz as pessoas se recolherem e se calarem".

Trevisan avalia, no entanto, que os homossexuais e pessoas trans no Brasil estão hoje muito conscientes de seus direitos. "Voltar para o armário é tudo o que querem os bolsonaristas. E não há nenhuma hipótese de isso acontecer."

Mesmo assim, esta e outras minorias, avalia, enfrentam a ascensão do que chama de "império teocrático-fundamentalista". Nele, há uma chave conservadora profana, representada pelas bancadas do boi e da bala, e outra religiosa, ilustrada pelo que classifica como fundamentalismo neopentecostal, que se retroalimentam.

Neste contexto, Jair Bolsonaro é muito mais sintoma do que causa, e cristaliza anseios de uma sociedade marcada historicamente pela violência —do genocídio indígena à anistia aos crimes da ditadura, passando pela abolição tardia da escravidão e suas consequências.

O candidato declarou nos últimos dias que não pode controlar o que seus eleitores fazem por aí. Ainda assim, como seus discursos anteriores legitimaram atitudes de discriminação e agressão, a situação pede declarações tão incisivas e específicas como as anteriores, só que no sentido contrário, de respeito a todos.

Com a caixa de Pandora aberta, no entanto, o risco é o próprio ex-capitão ouvir de seu eleitorado: "É bom já ir se acostumando".

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