Fernanda Mena

Jornalista, foi editora da Ilustrada. É mestre em sociologia e direitos humanos pela London School of Economics e doutora em Relações Internacionais.

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Descrição de chapéu Eleições 2018

Medo e aversão pautam voto de brasileiros à esquerda e à direita

A ascensão da mulher esteve no centro do debate sobre o medo na política nos EUA

Os candidatos Fernando Haddad (PT) e Jair Bolsonaro (PSL)
Os candidatos Fernando Haddad (PT) e Jair Bolsonaro (PSL) - Nelson Almeida/AFP/Rodolfo Buhrer/Reuters

A poucos dias do primeiro turno das eleições de 2018, o medo impera na escolha dos eleitores brasileiros tanto na esquerda quanto na direita.

Foi este o sentimento que elegeu Donald Trump nos Estados Unidos, defende a filósofa da Universidade de Chicago Martha Nussbaum, uma das mais importantes da atualidade, em “The Monarchy of Fear” (em tradução livre do inglês, "A Monarquia do Medo", ed. Simon & Schuster). E esse medo foi motivado, em boa parte, pela ascensão da mulher.

Nussbaum explica como o medo gera nas pessoas as sensações de impotência e vulnerabilidade, que levam à busca por um projeto de salvação. O medo exagera os riscos reais em jogo e produz raiva, suspeição e aversão mútuas, que ameaçam a própria democracia.

A busca por bodes expiatórios mira, por um lado, o neoliberalismo, a supressão de direito (humanos, inclusive) e a criminalização de movimentos sociais. Por outro, mira pessoas LGBT, minorias e estrangeiros, que estariam impondo sua agenda aos demais, subvertendo tradições. E o PT, é claro.

A ascensão da mulher, no entanto, esteve no centro do debate sobre o medo na política nos EUA e também ganha terreno no Brasil. Isso porque a disputa pelos espaços de poder gerou ressentimento entre a elite branca masculina, que antes reinava na esfera pública. A contrapartida doméstica desta equação não fica atrás. Quem lava? Quem cozinha? Quem cuida das crianças? Essas perguntas não existiam até bem pouco tempo atrás.

Isso sem falar nas atuais consequências no campo criminal de práticas antes invisíveis como o assédio sexual, a violência doméstica e o feminicídio —tratado romanticamente como crime passional.

No Brasil, as posições de Jair Bolsonaro (PSL), líder das pesquisas para a presidência, sobre igualdade salarial entre homens e mulheres e sobre aborto (sem comentar a infeliz declaração sobre a única filha mulher ter sido fruto de uma "fraquejada") respondem a esses sentimentos.

Em última análise, o próprio movimento #EleNão pode ter provocado ira ainda maior dos grupos que enxergam no capitão reformado a proteção para seu poder e privilégios.

O pânico ou a fantasia de que o Brasil se torne uma espécie de república gay-quilombola-venezuelana ou uma ditadura fascista transformam, assim, o voto da esquerda e da direita em um exercício de medo.

Aqueles que temem a reeleição do PT tendem a apoiar Bolsonaro. E aqueles que temem a eleição de Bolsonaro desenham estratégias pouco coordenadas sobre o voto útil.

Para derrotar o capitão reformado, uns defendem o voto no segundo colocado, Fernando Haddad (PT), mesmo que o candidato preferido fosse outro. Outros, temendo a amplitude do anti-petismo, pedem votos para Ciro Gomes (PDT), na esperança de que, livres do fantasma do PT, as forças progressistas se unam em torno do ex-governador cearense no segundo turno. Mas será que haverá segundo turno?

Ainda que, do ponto de vista da evolução da espécie, o medo seja corresponsável pela nossa sobrevivência, a sabedoria popular e a reflexão acadêmica advertem: ele é um mau conselheiro.

Erramos: o texto foi alterado

Jair Bolsonaro​ (PSL) é capitão reformado, e não general reformado, como afirmava o texto. A informação foi corrigida.
 

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