Fernanda Mena

Jornalista, foi editora da Ilustrada. É mestre em sociologia e direitos humanos pela London School of Economics e doutora em Relações Internacionais.

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O admirável submundo da Amazon

Gigante e seu sucesso no varejo online devem delinear o futuro das pessoas

Jeff Bezos, fundador e presidente-executivo da Amazon, em evento de 2014
Jeff Bezos, fundador e presidente-executivo da Amazon, em evento de 2014 - Ted S. Warren/Associated Press

O fim de semana do carnaval das compras, a Black Friday, deu fortes indícios de como a Amazon e seu sucesso no varejo online devem delinear o futuro das pessoas, alterando o consumo e as cidades tanto quanto as relações sociais, o trabalho e o meio ambiente.

No último domingo, eu precisei desviar dos pacotes da Amazon empilhados no lobby do prédio em que moro, em Chicago, para chegar ao elevador. Tamanho volume, inédito segundo o zelador, é um retrato dos US$ 6,2 bilhões gastos em compras online nos EUA apenas na última sexta-feira —um crescimento de 23% em relação ao ano passado.

Este sucesso é o inverso do que ocorre com as lojas físicas dos centros comerciais, cujo movimento míngua sob a força das encomendas no meio digital.

A Macy’s do centro de Chicago, loja de departamentos com 160 anos de história e que já foi sinônimo de sofisticação com sua cúpula art nouveau criada por Louis Tiffany (filho do renomado joalheiro), ganhou ares de decadência com corredores vazios e carpete roto.

Relatório da Price Waterhouse Coopers de 2017 apontou que 28% dos consumidores do  mundo fazem menos compras em lojas físicas por causa da Amazon, seduzidos pelo preço mais competitivo e pela conveniência de receber tudo em casa.

Nos EUA, este percentual é de 37%, seguido pelo Japão e, em terceiro lugar, pelo Brasil (35%), país em que mais consumidores declaram terem deixado de ir a quaisquer lojas físicas (6%).

Ainda que o varejo de rua brasileiro não tenha sentido na mesma intensidade o peso dessa mudança, ela aponta uma tendência que pode ter desdobramentos mais severos num futuro não tão distante.

O consumo digital tem avançado com força nos setores da moda, saúde e beleza, que hoje compõem boa parte das lojas de shoppings e centros comerciais brasileiros. Outro estudo da PWC, de 2018, indica que estes são os produtos cujo consumo digital mais cresceu nos últimos quatro anos no país.

Com a compra pela Amazon da rede de supermercados de luxo norte-americana, Whole Foods, hoje é virtualmente possível viver nos EUA sem ir ao supermercado: leite, verduras e carnes são entregues em embalagens refrigeradas.

Que tipo de loja física vai sobreviver a esta avalanche digital? Qual o impacto dessa mudança de comportamento no planejamento urbano, na circulação de pessoas e na micro sociabilização que sair de casa para fazer compras hoje propicia?

O custo ambiental deste aumento nas operações da empresa também é alto, e faz da Amazon uma das maiores geradores de lixo do mundo. Dois meses atrás, a gigante do e-commerce investiu US$ 10 milhões numa iniciativa americana de reciclagem. O esforço é pequeno perto do estrago.

Na própria Black Friday, trabalhadores da Amazon na Alemanha, Espanha, França, Itália e Reino Unido organizaram protestos, paralisações e greves contra condições de trabalho apontadas por eles como extenuantes e mal remuneradas --espécie de lado B do sucesso retumbante. Alguns carregavam placas com os dizeres: “não somos robôs”.

Também na semana passada, a varejista enfrentou pressão de origem inusitada. Um grupo de trabalhadores somalis muçulmanos de Minnesota (EUA) protestou porque a empresa não considerava sua pausa para orações na aferição da meta de embalar 230 itens por hora.

Há tempos a Amazon se tornou símbolo da desigualdade de renda.

Trata-se de uma empresa avaliada em US$ 1 trilhão (ou quase R$ 4 trilhões), cujo fundador e presidente, Jeff Bezos, é o homem mais rico do planeta. Ao mesmo tempo, parte de seus funcionários nos EUA recebe assistência governamental para alimentação.

Depois de uma batalha difamatória liderada pelo senador democrata Bernie Sanders, Bezos deu o braço a torcer no mês passado e aumentou para US$ 15 (cerca de R$ 60) o pagamento por hora dos funcionários norte-americanos.

“Escutamos nossos críticos”, declarou Bezos ao anunciar a medida.

A benesse, no entanto, não foi aplicada à Europa, onde as condições de trabalho dos depósitos da empresa são mal afamadas desde 2013, quando reportagem da BBC mostrou um jovem funcionário correndo num depósito da empresa enquanto seu escaner de mão fazia contagem regressiva dos 37 segundos que ele tinha para encontrar no depósito cada produto requisitado pela clientela do site.

O jornalista e escritor britânico James Bloodworth lançou neste ano o livro “Hired: Six Months Undercover in Low-Wage Britain” (Atlantic Books), em que conta sua experiência num desses depósitos. Segundo ele, funcionários são submetidos a regime disciplinar que lembraria o de um presídio, e faltas por doença são punidas.

Ironicamente para os manifestantes europeus, robôs têm substituído parte do trabalho dos depósitos da empresa pelo mundo.

E, sinal de que os negócios sempre falam mais alto, o livro de Bloodworth está à venda na loja virtual de Bezos.

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