Fernanda Mena

Jornalista, foi editora da Ilustrada. É mestre em sociologia e direitos humanos pela London School of Economics e doutora em Relações Internacionais.

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Silvio Santos e a educação sexual da Era Bolsonaro

A pipa do vovô subiu em rede nacional, mas o perigo real mora dentro de casa

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O despudor com que Silvio Santos assediou a cantora Claudia Leitte no palco de um programa de cunho social, diante de sua mulher e de uma de suas filhas, extrapola o debate sobre o politicamente correto.

Silvio Santos entrevista Claudia Leitte durante Teleton 2018
Silvio Santos entrevista Claudia Leitte durante Teleton 2018 - Reprodução

Para quem não viu: Santos disse que ficaria “excitado” se abraçasse a artista baiana, e, mesmo depois de Leitte avisar que seu marido ficaria “chateado”, o apresentador octogenário disse que vê-la “assim” dava “vontade de sair da poltrona, tomar umas cervejas e procurar um conforto”.

Leitte fez menção de abandonar o palco, mas deixou barato. Disse que Silvio Santos estava precisando de uma calça jeans —tecido capaz de conter evidência da tal excitação do apresentador que, 30 anos atrás, gravou a marchinha “A Pipa do Vovô Não Sobe Mais”.

Fato é que a história, mais do que constrangedora, funciona como um alerta sobre assédio e abuso sexual.

Se parece tão natural envolver uma mulher emancipada e poderosa com insinuações sexuais em rede nacional, o que não deve acontecer longe de câmeras e com pessoas mais vulneráveis, em especial crianças e adolescentes?

Denúncias da prática de crimes sexuais por parte do superprodutor de Hollywood Harvey Weinstein, um dos detonadores da campanha #MeToo, já poderiam amparar esta hipótese. Mas outros dados, referentes a casos invisíveis do escopo brasileiro, indicam que o problema é muito mais grave.

Em 2017, 68% das vítimas de estupro no Estado de São Paulo eram vulneráveis, entre crianças, pessoas com deficiência mental ou física ou ainda momentaneamente incapazes, como aqueles embriagados, por exemplo, segundo pesquisa do Instituto Sou da Paz.

O mesmo estudo mostrou que 75% das meninas haviam sido estupradas dentro de casa. E que 55% delas tinham como agressor uma pessoa da própria família.

Outro levantamento, realizado pelo Ministério da Saúde a partir de denúncias de violência sexual feitas entre 2011 e 2017, apontou que 76,5% das vítimas eram crianças ou adolescentes. O dado engloba casos de assédio, estupro, pornografia infantil e exploração sexual.

Mais de metade das vítimas eram meninas e meninos com menos de 5 anos de idade. Quase 70% das agressões ocorreram dentro da casa da criança. Em 37% dos casos, o autor da violência sexual era um familiar da criança.

Por essas e tantas outras que a cruzada do presidente eleito Jair Bolsonaro (PSL) contra a educação sexual nas escolas é o típico caso do tiro que sai pela culatra. Ao afirmar que “quem ensina sexo é papai e mamãe e acabou, ponto final”, o ex-capitão ignora a realidade da violência sexual no país e o caráter protetivo da educação sobre o assunto nas escolas.

Se, por um lado, pais abusadores são minoria absoluta, por outro é de se esperar que nem todos os pais e as mães tenham meios para educar seus filhos neste campo.

A premissa é que a educação sexual tenha caráter preventivo de abusos ao utilizar linguagem adequada a cada idade para levar crianças a conhecerem seu corpo e suas partes íntimas, a entenderem que ninguém deve tocá-las em brincadeiras nem machucá-las.

Estudos internacionais apontam que essas informações são de difícil apreensão para a maior parte das crianças menores, e que a sugestão de que seus familiares são capazes de “machucá-las” pode ser uma fonte de ansiedade.

Ainda assim, tratar a educação sexual como tabu ou relegá-la apenas aos pais, que podem não saber como abordar o tema ou não perceber que seus filhos estão sendo abusados, dentro ou fora de casa, são medidas contrárias à proteção.

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