Fernanda Mena

Jornalista, foi editora da Ilustrada. É mestre em sociologia e direitos humanos pela London School of Economics e doutora em Relações Internacionais.

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O lugar LGBT+ na história

Num Brasil cujo presidente já declarou que filho 'meio gayzinho, leva um coro, ele muda o comportamento dele', a nova lei de Illinois deve demorar para dar as caras por aqui

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A partir de julho do ano que vem, escolas da rede pública do estado de Illinois, nos Estados Unidos, vão incluir personagens LGBT+ nas aulas de história. Uma lei sancionada há dez dias pelo governador J.B.Pritzker determina que os livros didáticos oficiais terão de contemplar "o papel e as contribuições de pessoas lésbicas, gays, bissexuais e transgêneras".

O estado é tradicionalmente democrata, foi berço político de Barack Obama e tem Lori Lightfoot, uma negra lésbica assumida, como prefeita de Chicago, maior cidade da região. Illinois segue os passos de New Jersey, do Colorado e da Califórnia, pioneira na aprovação de medida semelhante, já em 2011. Lá, o governo aprovou em 2017 a primeira leva de livros didáticos com o novo conteúdo. 

Neles, os estudantes poderão aprender sobre Baron von Steuben (1730-1794), oficial do exército prussiano, expulso por ser abertamente gay, que virou herói da Guerra da Independência dos Estados Unidos (1775-1783) e se tornou chefe do Estado Maior de George Washington (1732-1799). Ou sobre Charley Parkhurst (1812-1879), lendário condutor de diligências da febre do ouro (1849) que vivia como homem, ainda que tenha nascido mulher. Ou sobre a primeira astronauta americana do sexo feminino a viajar para o espaço, Sally Ride (1951-2012), que era lésbica. Ou ainda sobre os protestos de Stonewall, que completaram 50 anos em 2019, em que frequentadores do bar gay de mesmo nome, em Nova York, se rebelaram contra uma batida policial e levaram a luta por direitos civis das pessoas LGBT+ a um novo patamar de organização e visibilidade. 

A lei é resultado de quase uma década de campanhas para que a educação formal incluísse comunidades marginalizadas e personagens de grupos minoritários. Mais do que retificar a diversidade da história, seus apoiadores argumentam que, ao evidenciar a relevância de indivíduos LGBT+ para a sociedade norte-americana, a norma funciona como antídoto para o bullying e a homofobia nas escolas. 

Ao mesmo tempo, defendem, a lei cria referências positivas para estudantes LGBT+.Isso porque, nos EUA, uma série de unidades federativas mantém leis chamadas de "no homo promo" (algo como "não promova a homossexualidade", em inglês). Entre elas estão Alabama, Arizona, Louisiana, Mississippi e Texas. Algumas proíbem que orientação sexual seja sequer discutida nas escolas. Outras, pior ainda, vetam que a homossexualidade seja debatida de maneira positiva, permitindo, no entanto, comentários negativos sobre qualquer orientação que não seja heteronormativa.

Pesquisa feita em 2017 pela GLSEN, uma organização de educação pelo fim da discriminação baseada em orientação sexual e de gênero, aponta que estudantes dos estados onde vigora uma lei "no homo promo" presenciam mais comportamentos agressivos contra colegas LGBT+ do que nas demais regiões. A distância entre as leis "no homo promo" e aquelas que garantem o lugar de pessoas LGBT+ na história é simbólica do comportamento dúbio do governo federal dos EUA nessa seara. 

Durante a campanha presidencial, Donald Trump segurou a bandeira do arco-íris. E, neste ano, fez história ao se tornar o primeiro presidente republicano a dedicar discurso ao mês do orgulho LGBT. "Nas celebrações do mês do orgulho LGBT, quando reconhecemos as excepcionais contribuições dessas pessoas para a nossa grande nação, também nos solidarizamos com aquelas pessoas LGBT que vivem em dezenas de países que punem, aprisionam ou até mesmo executam indivíduos a partir de sua orientação sexual", escreveu, numa série de tuítes. 

Trata-se de um exercício de marketing oportunista, uma vez que Trump tem, na prática, atacado os direitos civis LGBT+, em especial o das pessoas trans, as quais já quis banir do serviço militar. Com seus tuítes, o presidente americano não tinha a intenção de criticar seu parceiro tropical, Jair Bolsonaro (PSL), mas foi isso o que fez quando apontou para o atraso de países com os quais o Brasil se alinhou na sessão do Conselho de Direitos Humanos da ONU de julho passado. Nela, a representação brasileira espantou seus aliados do Ocidente ao destacar que entende gênero como sinônimo de sexo biológico, num ataque à atual concepção consagrada do termo, ligada à questão de uma identidade construída. 

Com isso, o governo Bolsonaro colocou o país no mesmo campo de Iraque, Arábia Saudita e Paquistão, que buscam vagas no Conselho de Direitos Humanos para poder encobrir violações, motivação que parece mover também o Brasil de hoje.

Num Brasil em que pessoas LGBT+ da política, da cultura e do esporte costumam trancar-se no armário, salvo raras exceções, em que o ministério da Educação é pautado pela bancada evangélica e cujo presidente já declarou que filho "meio gayzinho, leva um coro, ele muda o comportamento dele", a nova lei de Illinois deve demorar para dar as caras por aqui. Ou vão dizer que, na história do Brasil, pessoas LGBT+ não contribuíram em nada. Quem é que vai contar qual história?

Nas próximas oito semanas, esta colunista estará afastada para escrever sua tese de doutorado.

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